“Amaste a justiça e odiaste a iniquidade; por
isso Deus, o teu Deus, te ungiu Com óleo de alegria mais do que a teus
companheiros.” (Hb.1.9)
Com o surgimento do movimento pentecostal, alguns termos
tornaram-se comuns no meio evangélico. Dentre esses termos, encontra-se a
palavra “ungido”, aplicada aos cristãos, em geral, mas, principalmente à figura
do pastor ou líder dentro da igreja. Além disso, incorporaram ao termo a
prática de “ungir com óleo” em diversas ocasiões, justificando-se tal prática
com a leitura de alguns textos como Marcos 6.13, Lucas 7.46 e Tiago 5.14 etc. Com
o passar do tempo, a palavra passou a ser usada como lei protetora do
ministério pastoral, a fim de evitar que qualquer pessoa possa ir contra ensinos
e práticas daqueles que querem ter todo poder centrado em si mesmos, rejeitando
o ensino bíblico de que a autoridade pastoral está associada à fidelidade à
Escritura Sagrada. Portanto, há uma grande necessidade de se compreender o
significado e propósito da unção ensinada no Antigo e Novo Testamento.
Para entendermos bem o assunto, dissipando, assim, todas as
dúvidas com respeito à unção com óleo, precisaremos compreender primeiro o
propósito da unção no Antigo Testamento e sua relação com Cristo. O propósito
da Escritura Sagrada é apontar para o Filho de Deus “a quem constituiu herdeiro de todas as coisas, pelo qual também fez o
universo. Ele, que é o resplendor da glória e a expressão exata do seu Ser,
sustentando todas as coisas pela palavra do seu poder, depois de ter feito a
purificação dos pecados, assentou-se à direita da Majestade, nas alturas,
tendo-se tornado tão superior aos anjos quanto herdou mais excelente nome do
que eles.” (Hb.1.2-4). Os diversos autores do Novo Testamento nos conduzem
sempre para Cristo, cumprimento da Palavra de Deus (Rm.11.36; Lc.24.25-27;
Gl.3.16,19,22,24-29; 4.4; Jo.14.6; Rm.16.25-27; Ef.1.3-14; Cl.1.27; 2.2; 4.3-4
etc.). Portanto, uma das principais causas de diversas interpretações erradas
da Palavra de Deus é a leitura da Escritura sem Cristo, de forma que o leitor
procura outros alvos, quer o cristão quer a nação de Israel etc., para aplicar
os textos bíblicos.
O termo ungir
surge pela primeira vez em Gênesis 31.13: “Eu sou o Deus de Betel, onde ungiste uma coluna, onde me fizeste um
voto; levanta-te agora, sai desta terra e volta para a terra de tua parentela”,
uma referência a Gênesis 28.18: “Tendo-se levantado Jacó, cedo, de madrugada,
tomou a pedra que havia posto por travesseiro e a erigiu em coluna, sobre cujo
topo entornou azeite”. Observe-se
que o significado de ungir é dado na junção entre os dois textos acima: ungir é
entornar azeite. Também, deve-se observar que a prática parece não ser
desconhecida de Jacó, uma espécie de batismo, pois, após ungir a coluna, Jacó
deu nome à cidade (Gn.28.19).
Depois de Gênesis 31.13, o termo hebraico “mashar” (ungir) aparecerá em Êxodo 28.41 em referência à consagração do sacerdote. A partir
de então, o verbo ungir (“mashar”) é usado para consagrar os três ofícios de
Israel: Sacerdote, Rei e Profeta, além das coisas sagradas (Ex.28.41; 29.2,7,36;
30.26,30; 40.9,10,13,15; Lv.6.20; 7.36; 8.10,11,12; 16.32; Nm.3.3; 7.1,10,84,88;
35.25; Jz.9.8,15; 1Sm.9.16; 10.1; 15.1,17; 16.3,12,13; 2Sm.1.21; 2.4,7; 3.39; 5.3,17;
12.7; 19.10; 1Rs.1.34,39,45; 5.1; 19.15,16; 2Rs.9.3,6,12; 11.12; 23.30;
1Cr.11.3; 14.8; 29.22; 2Cr.22.7; 23.11; Sl.45.7; 89.20; Is.61.1; Dn.9.24). Em
Levítico, o termo “ungir” (“mashar”), ainda, aparece relacionado à aplicação de
azeite como ingrediente de bolos que seriam ofertados ao Senhor (Lv.2.4; 7.12; Nm.6.15).
Além de seu uso relacionado ao sagrado, há algumas poucas referências a aplicação
do óleo de forma comum para consagração de objeto, no sentido de aplicar um
líquido sobre algo ou como perfume (Is.21.5; Jr.22.14; Am.6.6).
Ainda outro termo hebraico é usado para se referir à ação de
ungir: "suk" (Ex.30.32; Dt.28.40; Rt.3.3; 2Sm.12.20; 14.2; 2Cr.28.15; Ez.16.9;
Dn.10.3; Mq.6.15). O profeta Isaías usa o verbo "suk" com o significado de “ir
contra” (Is.9.11; 19.2), como se um povo fosse derramado sobre o outro por
adversário. Diferente de “mashar”, o verbo “suk” é utilizado para referir-se a
qualquer uso de óleo como bálsamo (Rt.3.3; 2Sm.12.20; 2Sm.14.2; Ez.16.9;
Dn.10.3). Seu equivalente grego mais próximo é “aleifo” que, apesar de aparecer
na Septuaginta para traduzir ambos os termos hebraicos (“mashar” e “suk”),
aparece no Novo Testamento para se referir, somente, a bálsamos e curativos
(Mt.6.17; Mc.16.1; Lc.7.38,46; Jo.11.2; 12.3). Mais adiante analisaremos o uso
desse termo no Novo Testamento.
A importância e restrição do óleo sagrado, destinado a unção
dos ofícios de Israel, é revelada por meio da ordenança de Êxodo 30.22-33:
Disse
mais o SENHOR a Moisés: 23
Tu, pois, toma das mais excelentes especiarias: de mirra fluida quinhentos
siclos, de cinamomo odoroso a metade, a saber, duzentos e cinqüenta siclos, e
de cálamo aromático duzentos e cinqüenta siclos, 24 e de cássia quinhentos siclos,
segundo o siclo do santuário, e de azeite de oliveira um him. 25 Disto farás o óleo sagrado para
a unção (misherah), o perfume composto segundo a arte do
perfumista; este será o óleo sagrado da unção
(misherah). 26 Com ele ungirás (mashar) a tenda da congregação, e a arca do
Testemunho, 27 e a mesa com
todos os seus utensílios, e o candelabro com os seus utensílios, e o altar do
incenso, 28 e o altar do
holocausto com todos os utensílios, e a bacia com o seu suporte. 29 Assim consagrarás estas coisas,
para que sejam santíssimas; tudo o que tocar nelas será santo. 30 Também ungirás (mashar) Arão e seus filhos e os consagrarás para que me
oficiem como sacerdotes. 31
Dirás aos filhos de Israel: Este me será o óleo sagrado da unção (misherah) nas vossas gerações. 32 Não se ungirá (suk) com ele o corpo do homem que não seja sacerdote, nem
fareis outro semelhante, da mesma composição; é santo e será santo para vós
outros. 33 Qualquer que compuser óleo igual a este ou
dele puser sobre um estranho será eliminado do seu povo.
Esse texto é de suma importância, pois além de atribuir a
finalidade do santo óleo (Nm.35.25) feito pelos sacerdotes, também proíbe,
permanentemente, que esse óleo seja usado para outra finalidade a não ser a
unção das coisas sagradas. Posteriormente, o óleo será usado para consagrar
profetas e reis: “Tomou Samuel o chifre do azeite e o ungiu no meio de seus
irmãos; e, daquele dia em diante, o Espírito do SENHOR se apossou de Davi.”
(1Sm.16.13) e “a Jeú, filho de Ninsi, ungirás rei sobre Israel e também Eliseu,
filho de Safate, de Abel-Meolá, ungirás profeta em teu lugar” (1Rs.19.16). Mais
adiante, antes da morte do rei Davi, o sumo sacerdote Zadoque, junto ao profeta
Natã, ungiram Salomão (1Rs.1.34,39). O óleo usado pelo sumo sacerdote para
ungir o filho de Davi foi o mesmo óleo de uso no tabernáculo, pois “Zadoque, o
sacerdote, tomou do tabernáculo o chifre do azeite e ungiu a Salomão” (1Rs.1.39).
Desta forma, o óleo sagrado era destinado aos ofícios sagrados de Israel:
sacerdote, rei e profeta.
Devemos chamar a atenção para a proibição final do texto de
Êxodo 30.22-33: “Qualquer que compuser óleo igual a este ou dele puser sobre um
estranho será eliminado do seu povo” (Ex.30.33). Diante dessa ordenança, não é
possível se imaginar que os judeus dos dias de Jesus tivessem quebrado o
mandamento mosaico nem muito menos podemos entender que Cristo tivesse ferido a
Escritura, pois seu propósito era cumpri-la, não revoga-la (Mt.5.17). Se
qualquer um deles tivesse desobedecido ao mandamento, seria acusado de quebra
da lei, ou seja, desobediência contra Deus. Portanto, a fabricação do santo óleo
de forma particular e para fins diferentes do que preceitua a Escritura deve
ser considerada fora de cogitação.
Dois termos gregos são usados para traduzir os verbos “suk”
e “mashar” (ungir - hebraico): “aleifo” e “chrio” (ungir - grego). Este último
termo é o equivalente mais próximo de “mashar”, utilizado para referir-se à
consagração dos ofícios e coisas sagradas de Israel. No Novo Testamento, o
verbo “chrio” aparece apenas 5 vezes (Lc.4.18; At.4.27; 10.38; 2Co.1.21;
Hb.1.9) sempre se referindo a pessoa de Cristo. Em 2 Coríntios 1.21, “chrio” se
refere a unção de Cristo partilhada por aqueles que nEle creem e dEle receberam
“o penhor do Espírito” (2Co.1.22). Ou seja, Cristo tornou a igreja participante
de sua vida, sendo Ele o ungido de Deus. Portanto, a igreja partilha da unção
de Cristo por duas razões: sua identificação com a morte e ressurreição de
Jesus e sua participação da habitação do Espírito (Rm.6.4; 1Co.3.16; 1Pe.2.5). Todavia,
Jesus continua sendo o Cristo (o ungido). Essa unção não veio sobre a igreja por meio de
derramamento de óleo, mas por meio de sua fé em Jesus, tornando o cristão um só
corpo com Cristo. Por estarmos nEle, partilhamos da presença do Espírito Santo
à semelhança de Jesus (Lc.4.1) e vivemos uma nova vida para a glória de Deus
(Gl.2.20). Semelhante ideia encontra-se na primeira carta de João, onde o
apóstolo diz que a igreja “tem unção da parte do Santo” (1Jo.2.20,27 – “chrisma”).
Do verbo “chrio” surgiu o adjetivo “christós”
(posteriormente, substantivado) para identificar aquele que recebeu o óleo da
unção: Sacerdote (Lv.4.5,16; 6.22; 21.10,12), Rei (1Sm.2.10,35; 12.3,5; 16.6;
24.6,10; 26.9,11,16,23; 2Sm.1.14,16; 19.21; 22.51; 23.1; 2Cr.6.42; 22.7;
Sl.2.2; 18.50; 20.6; 28.8; 84.9; 89.38,51; 132.10,17; Is.45.1) e profeta (1Rs.19.16
– povo profético: Sl.105.15). Tendo chegado o Filho de Deus, o termo “Christós”
passa a ser usado exclusivamente para se referir a Jesus como “o ungido” de
Deus. A palavra “christós” é usada 529 vezes no Novo Testamento, quase 13 vezes
o número de ocorrências no Antigo Testamento (41 vezes, apenas), mas em nenhuma
das ocorrências ela se dirige para os sacerdotes nem para os reis nem mesmo
para o profeta João Batista, pois aquele (Jesus) para quem os ofícios de Israel
apontavam já havia chegado, de forma que os autores do Novo Testamento se
referem somente a Jesus como “o ungido”, ou seja: Cristo. Nenhuma outra pessoa
do Novo Testamento é chamada de “christós”, ou seja, de “ungido”, em todas as
529 vezes em que ocorre o termo “ungido”, e nem mesmo os apóstolos receberam
esse título.
Qual o propósito do Senhor ter ordenado a Israel a prática
da unção destinada especialmente à consagração dos ofícios: Sacerdote, Profeta
e Rei? O objetivo era apontar para o status e papel de Jesus Cristo como Sumo Sacerdote
que adentrou ao santo dos santos em nosso lugar para oferecer a si mesmo como
oferta perfeita e única por nós, a fim de aplacar, definitivamente, a ira do
Senhor contra seu povo (Hb.4.14; 7.26-28); como Profeta por quem Deus falou “nestes
últimos dias”, revelando-nos o mistério outrora oculto nos dias do Antigo
Testamento, para que a igreja conheça a perfeita vontade do Senhor (Hb.1.1-2;
Cl.1.26-27); como Rei do Reino de Deus que governa nossos corações, sendo
Senhor de tudo e todos (Sl.2; Jo.19.19-21).
Um texto profético, mencionado por Jesus, nos ajudará a
entender o propósito da unção no Antigo Testamento: “O Espírito do SENHOR Deus
está sobre mim, porque o SENHOR me ungiu
para pregar boas-novas aos quebrantados, enviou-me a curar os quebrantados de
coração, a proclamar libertação aos cativos e a pôr em liberdade os algemados”
(Is.61.1//Lc.4.18). Isaías profetiza a chegada de alguém que seria ungido por
Deus, ou seja, que seria cheio do Espírito Santo e operaria todas as maravilhas
de Deus no meio de seu povo. Jesus aplicou a profecia a si mesmo em Lucas 4.18,
portanto, conforme Cristo, a profecia de Isaías cumpriu-se nEle, ou seja,
encerrou-se em Jesus, pois o propósito dela era apontar ao ministério de
Cristo, cheio do Espírito de Deus. Isaías, portanto, não estava se referindo ao
cristão, mas ao Messias, ou seja, ao Cristo profetizado e esperado por todas as
páginas da Escritura Sagrada. Jesus é o ungido, cheio do Espírito de Deus, a
quem se referiram os profetas. Sua vinda, então, cumpre as profecias e encerra
a espera pelo ungido do Senhor.
Devemos observar, ainda, a forma como o livro de Apocalipse
faz referência a Jesus como “o ungido” (o Cristo), mesmo estando à destra de
Deus. Não há outro ungido em Apocalipse, pois sua unção não foi temporária com
o fim de exercer uma função importante, mas escatológica, exclusiva e
permanente (Ap.11.15). Jesus é o Cristo para sempre, aquele que possui toda a unção
divina, pois carrega em si os três ofícios (profeta, sacerdote e rei) e cumpriu
todos os sacrifícios e ofertas ao Senhor, sendo Ele mesmo, também, o lugar da
adoração, pois nEle habita a plenitude de Deus e por Ele o pecador pode se
achegar a Deus (Jo.14.6; Cl.2.9). Portanto, Jesus é “o Ungido” do Senhor:
sétimo anjo tocou a trombeta, e houve no céu grandes
vozes, dizendo: O reino do mundo se tornou de nosso Senhor e do seu Cristo (do seu ungido), e ele
reinará pelos séculos dos séculos (Ap.11.15).
Então, ouvi grande voz do céu, proclamando: Agora,
veio a salvação, o poder, o reino do nosso Deus e a autoridade do seu Cristo (do seu ungido), pois foi
expulso o acusador de nossos irmãos, o mesmo que os acusa de dia e de noite,
diante do nosso Deus (Ap.12.10).
Portanto, a unção do Antigo Testamento cumpria papel
tipológico-profético que apontava para Cristo. A unção figurava a escolha
divina e o derramamento do Espírito sobre a pessoa, e ambos encontraram seu
cumprimento e plenitude em Jesus, o Filho de Deus. Ele é o ungido de Deus e não
há outro; nEle habita toda a plenitude de Deus e em mais nenhum outro; Ele é o
cumprimento das profecias redentoras do Antigo Testamento e mais ninguém; Ele é
o perfeito Sumo Sacerdote-Profeta-Rei e nunca mais Israel terá esses três
ofícios em seu meio. Por isso, diz a Escritura que, no passado, “ministravam em
figura e sombra das coisas celestiais” (Hb.8.5) e que as coisas passadas “são
sombras das coisas futuras, mas o corpo é de Cristo” (Cl.2.17).
Uma vez que tenha ficado claro que somente Jesus é chamado
de “ungido” no Novo Testamento (Cristo) e que apenas em relação a Ele o verbo
“ungir” (“chrio”) é usado, devemos nos voltar para o aparecimento do outro
termo “ungir” (“aleifo”) utilizado para a aplicação de bálsamos e curativos. O
verbo “aleifo” aparece, apenas, em oito versículos no Novo Testamento (Mt.6.17;
Mc.6.13; 16.1; Lc.7.38,46; Jo.11.2; 12.3; Tg.5.14). Das oito ocorrências, seis
delas fazem referência clara a perfumes:
Tu,
porém, quando jejuares, unge a
cabeça e lava o rosto, com o fim de não parecer aos homens que jejuas, e sim ao
teu Pai, em secreto; e teu Pai, que vê em secreto, te recompensará
(Mt.6.17-18).
Passado
o sábado, Maria Madalena, Maria, mãe de Tiago, e Salomé, compraram aromas para
irem embalsamá-lo [ungir – “aleifo”]
(Mc.16.1).
E eis
que uma mulher da cidade, pecadora, sabendo que ele estava à mesa na casa do
fariseu, levou um vaso de alabastro com unguento; e, estando por detrás, aos
seus pés, chorando, regava-os com suas lágrimas e os enxugava com os próprios
cabelos; e beijava-lhe os pés e os ungia
com o unguento (Lc.7.37-38).
Vês
esta mulher? Entrei em tua casa, e não me deste água para os pés; esta, porém,
regou os meus pés com lágrimas e os enxugou com os seus cabelos. Não me deste
ósculo; ela, entretanto, desde que entrei não cessa de me beijar os pés. Não me
ungiste a cabeça com óleo, mas esta,
com bálsamo, ungiu os meus pés
(Lc.7.44-46).
Esta
Maria, cujo irmão Lázaro estava enfermo, era a mesma que ungiu com bálsamo o Senhor e lhe enxugou os pés com os seus cabelos
(Jo.11.2).
Então,
Maria, tomando uma libra de bálsamo de nardo puro, mui precioso, ungiu os pés de Jesus e os enxugou com
os seus cabelos; e encheu-se toda a casa com o perfume do balsamo (Jo.12.3).
Restam-nos, apenas, dois versículos para análise, a fim de
que compreendamos o uso do termo “ungir” (aleifo) aplicado sobre enfermos. O
primeiro texto está inserido na primeira comissão dada aos apóstolos que
deveriam ir, de dois a dois, às casas, pregando, expulsando demônios e curando:
“Então, saindo eles, pregavam ao povo que se arrependesse; expeliam muitos
demônios e curavam numerosos enfermos, ungindo-os
com óleo” (Mc.6.12-13). Devemos
lembrar que a palavra ungir significa: entornar, ou aplicar, óleo sobre algo ou
alguém (Gn.28.18//31.13). Portanto, Marcos nos diz que os apóstolos despejavam,
ou aplicavam, óleo sobre doentes. Mas, por que eles faziam isso? A oração não
seria suficiente? O óleo teria poderes mágicos? Qual seria o simbolismo do óleo
nesses casos? Por acaso o Espírito de Deus seria derramado sobre a ferida da
pessoa, já que a verdadeira unção representava a presença do Espírito do
Senhor?
Para entendermos melhor esse texto, o colocaremos em
paralelo com outro texto em que o óleo (“elaion”) é usado em circunstância
semelhante, ou seja, o óleo é aplicado sobre uma pessoa ferida: “Certo
samaritano, que seguia o seu caminho, passou-lhe perto e, vendo-o,
compadeceu-se dele. E, chegando-se, pensou-lhe os ferimentos, aplicando-lhes óleo e vinho; e,
colocando-o sobre o seu próprio animal, levou-o para uma hospedaria e tratou
dele” (Lc.10.33-34). A palavra aplicar (“epichéo”) é a mesma utilizada pela
Septuaginta em Gênesis 28.18: “Então, levantou-se Jacó pela manhã, de
madrugada, e tomou a pedra que tinha posto por sua cabeceira, e a pôs por
coluna, e derramou azeite em cima
dela”. Portanto, tanto Jacó derramou
(“epichéo”) óleo sobre a coluna, ungindo-a (Gn.31.13) quanto o Samaritano aplicou (“epichéo”) óleo e vinho sobre
o ferimento do judeu ferido. Desta forma, percebemos que “epichéo” é outro
termo usado para se referir a mesma prática: derramar, despejar, aplicar
(“epichéo”) óleo sobre algo.
O importante nesse caso não é o termo óleo (“elaion”), mas
seu uso em casos de ferimentos. O Samaritano da parábola de Jesus aplicou óleo
e vinho para higienizar e remediar os ferimentos do judeu que havia sido
assaltado. Devemos lembrar nesse momento que os remédios antigos possuíam o
óleo como veículo em que se misturavam as plantas medicinais. Além disso,
sabemos que o álcool (vinho) possui propriedades antissépticas, por isso usado
para higienizar os ferimentos. Portanto, o que o Samaritano fez foi cuidar das
feridas daquele homem aplicando remédios que tinha em suas mãos. E como esse
texto nos ajuda a entender Marcos 6.13? A questão é que o contexto é similar.
Os apóstolos aplicavam óleo sobre os enfermos e oravam pelos doentes e estes
eram curados, não por causa do óleo, mas da oração. O Novo Testamento não
fornece nenhum indício de que os apóstolos tivessem algum tipo de óleo
milagroso nem existe qualquer ensino a fabricação de tal coisa. Todavia, muitas
são as evidências de que a aplicação de óleo era comum tanto como perfume
quanto como curativo.
Diante de todo o exposto acima, devemos compreender que o mesmo
óleo é aplicado no texto de Tiago 5.14 como curativo de feridas:
“Está alguém entre vós doente? Chame os presbíteros da
igreja, e estes façam oração sobre ele, ungindo-o
com óleo, em nome do Senhor. E a oração da fé salvará o enfermo, e o Senhor o
levantará; e, se houver cometido pecados, ser-lhe-ão perdoados. Confessai,
pois, os vossos pecados uns aos outros e orai uns pelos outros, para serdes
curados. Muito pode, por sua eficácia, a súplica do justo” (Tg.5.14-16).
Como dissemos anteriormente, o termo “ungir” em Tiago 5.14 é
“aleifo”, o mesmo verbo usado nos sete versículos mencionados anteriormente.
Observe-se que o contexto é o mesmo: aplicação de óleo em pessoas doentes.
Todavia, em Tiago fica mais evidente que o foco não é a aplicação do óleo e que
a causa da atuação divina sobre a pessoa doente não é a unção, mas a oração. Os
presbíteros, portanto, deveriam confiar que Deus curaria o enfermo sem,
contudo, tentarem a Deus, negligenciando a aplicação do remédio (Mt.4.7). Paulo
ensina algo semelhante a Timóteo, dizendo: “Não continues a beber somente água;
usa um pouco de vinho, por causa do teu estômago e das tuas frequentes
enfermidades” (1Tm.5.23). Interessante observar que Paulo não ordena que
Timóteo apenas ore nem muito menos diz ao jovem pastor que peça aos presbíteros
para ungi-lo com óleo. Paulo ordena que Timóteo tome providências
medicamentosas, enquanto mantinha uma vida de oração (1Tm.2.8).
Durante seu ministério terreno, Jesus aplicou saliva,
diversas vezes, em doentes (Mc.7.33; 8.23; Jo.9.6 – com propósito específico),
contudo não ungiu nem mesmo uma pessoa com óleo, para que ela fosse curada. Sua
oração era suficiente para que o morto ressuscitasse, o endemoniado fosse
liberto, o doente fosse curado (Mc.6.5; 9.29). Isso ocorreu porque Jesus é o
ungido de Deus, aquele que estava “cheio do Espírito Santo” (Lc.4.1), enviado “para
proclamar libertação aos cativos e restauração da vista aos cegos, para pôr em
liberdade os oprimidos, e apregoar o ano
aceitável do Senhor” (Lc.4.18-19). Portanto, estando em Cristo, a igreja
partilha de sua unção, ou seja, do enchimento do Espírito Santo. Desta forma,
não precisamos mais de objetos como óleo para representar a presença do
Espírito de Deus, pois aquele para quem o óleo apontava já veio e seu Espírito,
“penhor da nossa herança”, já nos foi dado para sempre (Ef.1.14).
A unção teve seu papel no Antigo Testamento e cumpriu seu
propósito apontando para Cristo. Depois de Jesus, não há mais ungidos especiais
(a não ser a igreja que está em Cristo), pois Ele é o único ungido do Senhor. Qualquer
outro que apareça se dizendo ungido de Deus deve ser compreendido como um
psedocristo, ou seja, um falso cristo, uma identidade assumida pelo anticristo
que deseja ser semelhante a Cristo (Mt.24.23-24; Mc.13.21-22). Portanto, usar o
termo ungido para o pastor, ou para outra pessoa qualquer, como referência a
alguém escolhido por Deus para o desempenho de uma função especial está
completamente errado; e, ainda, coloca tal pessoa em oposição a Jesus que é o
único ungido de Deus (Cristo).
Por que, então, muitos querem ser chamados de ungidos, hoje?
Em grande medida, há ignorância no meio do povo de Deus que não estuda a
Palavra do Senhor. Todavia, também há vaidade e soberba, pois muitos cristãos
querem ter o “status de espirituais”, pecando contra o Senhor ao usurparem para
si a condição que pertence somente a Jesus: ser o ungido de Deus (Cristo). Além
disso, muitos anticristos têm surgido em nosso meio, querendo ser semelhante a
Cristo, por isso se dizem ungidos especiais de Deus com poderes miraculosos.
Devemos lembrar que Jesus advertiu quanto ao surgimento de tais pessoas: “surgirão
falsos cristos e falsos profetas operando grandes sinais e prodígios para
enganar, se possível, os próprios eleitos” (Mt.24.24). Os falsos cristos
estiveram presentes no primeiro século e estão presentes em nossa geração,
também. Em vista disso, a igreja deve estar atenta para não se deixar enganar.
E para isso, basta que o cristão lembre que o único ungido do Senhor é Jesus
chamado de Cristo.
Portanto, a unção com óleo não deve ser mais praticada pela
igreja, pois essa prática tinha o propósito de apontar para Jesus, nosso Sacerdote-Profeta-Rei.
Seu uso, então, torna-se estranho ao Evangelho, pois Cristo basta para sua
igreja e seu Espírito é suficiente para enchê-la. Além disso, não precisamos
usar óleo ou vinho para curar pessoas feridas, quando já temos muitos outros
remédios mais aprimorados. E quando usarmos qualquer remédio, devemos orar ao
Senhor confiando que de Deus vem a cura graciosa sobre o enfermo, porque tudo
depende dEle, e somente dEle. Em vista disso, em vez de buscar “muletas
espirituais” que desviam o olhar de Cristo, “enchei-vos do Espírito” por meio
da leitura da Palavra de Deus e perseverança na oração (Ef.5.18-20), pois o
ungido do Senhor já veio e está com sua igreja.
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