Pages

quinta-feira, 14 de abril de 2016

Aculturação da adoração

Àquele que está sentado no trono e ao Cordeiro, seja o louvor, e a honra, e a glória, e o domínio pelos séculos dos séculos.” (Ap.5.13)

Você já percebeu que o cristianismo não tem mais uma identidade cúltica universal? Creio que você já deve ter visitado igrejas locais diferentes (ainda que de mesma denominação) e percebido quão dessemelhantes são os cultos entre elas. Porém, aos Coríntios, Paulo diz que não havia diferença doutrinária entre as igrejas (1Co.11.16), e isso incluía o culto ao Senhor (1Co.11-14). O que houve com nossa identidade cúltica? O que devemos fazer para trazê-la de volta?
A Escritura revela diversos momentos cúlticos dentro da história do povo de Deus. Eles começam em Gênesis 4.3-7, com os irmãos Abel e Caim e percorrem a história da santa semente até Apocalipse 4 e 5. A nação de Israel recebeu, por divina revelação, dois livros que norteariam os cultos a Deus: Levítico e Salmos. Esses livros contêm diversas ordenanças de como Israel deveria se apresentar a Deus, e todas elas apontavam para o perfeito culto que a igreja prestaria ao Senhor por meio do Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo. O culto de Israel era tipológico, pois seus elementos apontavam para a obra redentora de Cristo, por meio do qual o povo de Deus entraria na presença do Senhor, o santo lugar (Hb.9.1-28).
Ainda há outros textos que apontam para o modelo que a igreja deve adotar na condução do culto ao Senhor. Os mais completos deles são Isaías 6.1-13 e Apocalipse 4-5. Em ambos os textos encontramos elementos de um culto solene ao Senhor: A presença real de Deus (Is.6.1; Ap.4.2-3), louvores ao Senhor (Is.6.3; Ap.5.9-10), oração (Is.6.5; Ap.5.8), justificação pela qual o pecador se aproxima de Deus (Is.6.7; Ap.5.6,9-10), e Palavra de Senhor (Is.6.8-13; Ap.5.1-2//Ap.6-22). Tanto Isaías quanto Apocalipse revela um culto que está além da cultura humana, um culto oferecido por seres celestiais e representantes de toda a criação.
Em ambos os textos, o servo agraciado por Deus com a participação em um culto celestial é envolvido com a glória do Senhor. Diante de Deus, o pecador é tomado por admiração e temor, e somente a justiça de Deus pode aquietar o frágil coração, a fim de que encontre paz ao ser justificado. O momento é sublime e a alegria que envolve o adorador se encontra dentro de seu coração que arde qual tocha acesa (Sl.16.9). As emoções são expressas com reverência e temor, tanto nas lágrimas do servo que chora seus pecados (Is.6.5) quanto nos cânticos que expressam a gratidão e a alegria das criaturas de Deus (Is.6.3; Ap.5.9-10). O pecador clama por causa de sua fragilidade, e Deus responde com graça e misericórdia (Is.6.5-7; Ap.5.3-5). Ninguém sai da presença do Senhor sem que seja transformado e convocado para o serviço divino (Is.6.8; Ap.5.10).
Mesmo com tantas semelhanças, há uma pequena diferença referente ao lugar. Provavelmente, a visão de Isaías ocorreu dentro do Templo de Deus em Jerusalém, pois “as abas de suas vestes enchiam o templo” (Is.6.1). O Templo ainda prefigurava Cristo (Jo.2.21; Cl.2.9) e a igreja (1Co.3.16; 1Pe.2.5), mas a glória do Senhor transcende o espaço do Templo (Is.6.3 // 2Cr.7.2), e sua Palavra é mais forte que as bases do lugar (Is.6.4 // Sl.29.4). Mas, em Apocalipse, o culto celestial não aparece no Templo de Jerusalém, pois o apóstolo estava em Patmos. O culto não estava mais preso ao Templo de Jerusalém, de acordo com a Palavra de Jesus dita à mulher Samaritana: “nem neste monte, nem em Jerusalém adorareis ao Pai” (Jo.4.21). No culto celestial, o Senhor está presente em seu trono de glória e todos se prostram perante sua majestade; o Espírito de Deus enche os céus com glória, e a Palavra de Deus executa a vontade do Senhor em toda a terra.
Mesmo adornado com tanta beleza e glória, o culto universal foi institucionalizado pelas denominações de nossos dias. A aculturação da adoração trouxe ao culto cristão muitas e fortes mudanças, fazendo-o perder seu caráter bíblico universal; tornando-o uma expressão da cultura de um povo. O culto solene, chamado de santa convocação e dia do Senhor (Lv.23.3; Ap.1.10) deixou de ser tratado como ordenança transcendental. Antes da aculturação da adoração, o culto cristão era igual em todos os povos, tribos e nações. Depois que as denominações aculturaram o culto divino, este se tornou um elemento cultural da comunidade local. Deus já não é mais adorado de uma forma universal, pois já não há mais unidade cúltica entre os cristãos. Cada qual faz “o que acha mais reto” (Jz.21.25).
Esse fenômeno deve ser encarado como culto à arte e expressões humanas. Uma vez que os gostos variam, também variam as formas de culto dentro das igrejas locais. Os mais velhos gostam de hinos, então onde houver pessoas de idade mais avançada haverá, também, uma presença maior dos hinos. Há, também, igrejas com muitos jovens e nesses lugares as músicas são mais agitadas e a “programação” é mais juvenil, despertando a dança e outros extravasamentos da emoção. Há culto para todos os gostos, com direito a jogo de luzes, coreografias, teatro e muitas outras expressões culturais dependendo da criatividade dos cristãos. As igrejas não são procuradas por causa da proximidade, mas por causa do estilo litúrgico. O culto cristão perdeu seu caráter universal e se transformou num evento dominical para amigos do cristianismo. Portanto, a institucionalização do culto ajudou a dividir o cristianismo, fortalecendo o denominacionalismo.
O culto ao Senhor não é uma programação da igreja local, mas uma santa convocação de Deus que nos chama para estar em sua presença (Is.6.1; Ap.4.1). Por isso, até a disposição de seu coração antes de ir ao culto é importante. Não vá encontrar amigos e irmãos apenas; não vá para ouvir promessas de prosperidade; não vá para extravasar emoções; nem vá para ver ou ouvir alguém. Por causa da cultura pops stars gospel, muita gente vai a igrejas específicas por causa do grupo de cânticos ou mesmo por causa do pregador. Culto não é palestra; não é peça teatral; nem ponto de encontro; nem show gospel. A adoração cristã transcende a cultura humana e os propósitos do coração pecador. O culto é o mais sublime momento da vida humana, pois nele o pecador é envolvido com a glória do Senhor, o Criador de todo o universo.
Vá ao culto como um servo que atende a mais honrosa convocação de seu Senhor. Vá com o coração temente, mas, também, grato pelo privilégio de estar diante do Deus Todo-poderoso. Deixe cair lágrimas de arrependimento por seus pecados, e, também, sinta o ardor da alegria da salvação invadir seu coração. Então, adore confiado na justiça do Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo (Jo.1.29). Eleve a Deus seus louvores na certeza de que o Espírito do Senhor intercederá em você (Rm.8.26), capacitando-o a responder de acordo com a vontade de Deus, pois o Espírito do Senhor o conduzirá à toda Verdade (Jo.16.13) para que seu culto seja agradável a Deus (Jo.4.23-24). Em tudo isso, deixe que sua mente e coração sejam guiados pela simplicidade do culto ensinado pela Palavra do Senhor. A beleza do culto não se encontra na aparência do lugar nem na qualificação harmônica do grupo de cânticos. A formosura da adoração está na presença e obra de Deus que por meio da redenção possibilita o santo culto.
Para que a igreja de Jesus volte a ter um culto Bíblico universal é necessário tirar o foco do homem. Os líderes transformaram o culto a Deus numa estratégia para evangelizar pecadores. O foco conduziu as ações. Ainda que no culto público Deus fale ao pecador, chamando-o ao arrependimento, seu propósito não é a conversão do homem, mas a glorificação de Deus. Tire o foco do homem e coloque-o sobre Deus. O culto é para o Senhor da glória, conforme lemos em Isaías 6 e em Apocalipse 4 e 5. Portanto, a igreja deve se preocupar em oferecer aquilo que agrada ao Senhor, conforme fez Abel. Além disso, não pense que atrair pecadores para dentro de quatro paredes será sinônimo de legítima conversão. Quando você faz o que agrada a Deus, então os frutos brotam da parte do Senhor, o único que pode converter o coração do homem por meio da Palavra e do Espírito Santo (Lm.5.21; Ez.36.26-27; Jo.3.5; Rm.9.18).
Voltemos ao culto transcendental ensinado por Deus ao seu povo. Voltemos a ter um culto único em toda a terra. Voltemos à adoração legítima unicamente ao Senhor. Oremos para que os líderes abandonem os shows gospels. Oremos para que Deus seja o centro da adoração, não apenas por ter seu nome citado, mas por ser o foco do culto. Ensinemos à igreja o verdadeiro culto que tem suas bases na vida cheia do Espírito de Deus e na Palavra do Senhor pelos quais temos fé em Cristo Jesus nosso Sumo Sacerdote. Com a graça do Senhor, a igreja de Jesus voltará à adoração única, mantendo comunhão espiritual entre todos os cristãos espalhados pelo mundo, e o povo de Deus terá outra vez uma identidade cúltica.

Nenhum comentário:

Postar um comentário