“Àquele que está sentado no trono e ao Cordeiro, seja o louvor, e a honra, e a glória, e o domínio pelos séculos dos séculos.” (Ap.5.13)
Você já percebeu que o cristianismo não tem mais uma
identidade cúltica universal? Creio que você já deve ter visitado igrejas
locais diferentes (ainda que de mesma denominação) e percebido quão dessemelhantes
são os cultos entre elas. Porém, aos Coríntios, Paulo diz que não havia
diferença doutrinária entre as igrejas (1Co.11.16), e isso incluía o culto ao
Senhor (1Co.11-14). O que houve com nossa identidade cúltica? O que devemos
fazer para trazê-la de volta?
A Escritura revela diversos momentos cúlticos
dentro da história do povo de Deus. Eles começam em Gênesis 4.3-7, com os
irmãos Abel e Caim e percorrem a história da santa semente até Apocalipse 4 e
5. A nação de Israel recebeu, por divina revelação, dois livros que norteariam
os cultos a Deus: Levítico e Salmos. Esses livros contêm diversas ordenanças de
como Israel deveria se apresentar a Deus, e todas elas apontavam para o
perfeito culto que a igreja prestaria ao Senhor por meio do Cordeiro de Deus
que tira o pecado do mundo. O culto de Israel era tipológico, pois seus
elementos apontavam para a obra redentora de Cristo, por meio do qual o povo de
Deus entraria na presença do Senhor, o santo lugar (Hb.9.1-28).
Ainda há outros textos que apontam para o modelo que a
igreja deve adotar na condução do culto ao Senhor. Os mais completos deles são
Isaías 6.1-13 e Apocalipse 4-5. Em ambos os textos encontramos elementos de um
culto solene ao Senhor: A presença real de Deus (Is.6.1; Ap.4.2-3), louvores ao
Senhor (Is.6.3; Ap.5.9-10), oração (Is.6.5; Ap.5.8), justificação pela qual o
pecador se aproxima de Deus (Is.6.7; Ap.5.6,9-10), e Palavra de Senhor (Is.6.8-13;
Ap.5.1-2//Ap.6-22). Tanto Isaías quanto Apocalipse revela um culto que está
além da cultura humana, um culto oferecido por seres celestiais e
representantes de toda a criação.
Em ambos os textos, o servo agraciado por Deus com a
participação em um culto celestial é envolvido com a glória do Senhor. Diante
de Deus, o pecador é tomado por admiração e temor, e somente a justiça de Deus pode
aquietar o frágil coração, a fim de que encontre paz ao ser justificado. O
momento é sublime e a alegria que envolve o adorador se encontra dentro de seu
coração que arde qual tocha acesa (Sl.16.9). As emoções são expressas com
reverência e temor, tanto nas lágrimas do servo que chora seus pecados (Is.6.5)
quanto nos cânticos que expressam a gratidão e a alegria das criaturas de Deus
(Is.6.3; Ap.5.9-10). O pecador clama por causa de sua fragilidade, e Deus
responde com graça e misericórdia (Is.6.5-7; Ap.5.3-5). Ninguém sai da presença
do Senhor sem que seja transformado e convocado para o serviço divino (Is.6.8;
Ap.5.10).
Mesmo com tantas semelhanças, há uma pequena diferença
referente ao lugar. Provavelmente, a visão de Isaías ocorreu dentro do Templo
de Deus em Jerusalém, pois “as abas de suas vestes enchiam o templo” (Is.6.1).
O Templo ainda prefigurava Cristo (Jo.2.21; Cl.2.9) e a igreja (1Co.3.16;
1Pe.2.5), mas a glória do Senhor transcende o espaço do Templo (Is.6.3 //
2Cr.7.2), e sua Palavra é mais forte que as bases do lugar (Is.6.4 // Sl.29.4).
Mas, em Apocalipse, o culto celestial não aparece no Templo de Jerusalém, pois
o apóstolo estava em Patmos. O culto não estava mais preso ao Templo de
Jerusalém, de acordo com a Palavra de Jesus dita à mulher Samaritana: “nem
neste monte, nem em Jerusalém adorareis ao Pai” (Jo.4.21). No culto celestial,
o Senhor está presente em seu trono de glória e todos se prostram perante sua
majestade; o Espírito de Deus enche os céus com glória, e a Palavra de Deus
executa a vontade do Senhor em toda a terra.
Mesmo adornado com tanta beleza e glória, o culto
universal foi institucionalizado pelas denominações de nossos dias. A
aculturação da adoração trouxe ao culto cristão muitas e fortes mudanças,
fazendo-o perder seu caráter bíblico universal; tornando-o uma expressão da
cultura de um povo. O culto solene, chamado de santa convocação e dia do Senhor
(Lv.23.3; Ap.1.10) deixou de ser tratado como ordenança transcendental. Antes
da aculturação da adoração, o culto cristão era igual em todos os povos, tribos
e nações. Depois que as denominações aculturaram o culto divino, este se tornou
um elemento cultural da comunidade local. Deus já não é mais adorado de uma
forma universal, pois já não há mais unidade cúltica entre os cristãos. Cada
qual faz “o que acha mais reto” (Jz.21.25).
Esse fenômeno deve ser encarado como culto à arte e
expressões humanas. Uma vez que os gostos variam, também variam as formas de
culto dentro das igrejas locais. Os mais velhos gostam de hinos, então onde
houver pessoas de idade mais avançada haverá, também, uma presença maior dos
hinos. Há, também, igrejas com muitos jovens e nesses lugares as músicas são
mais agitadas e a “programação” é mais juvenil, despertando a dança e outros
extravasamentos da emoção. Há culto para todos os gostos, com direito a jogo de
luzes, coreografias, teatro e muitas outras expressões culturais dependendo da
criatividade dos cristãos. As igrejas não são procuradas por causa da
proximidade, mas por causa do estilo litúrgico. O culto cristão perdeu seu
caráter universal e se transformou num evento dominical para amigos do cristianismo.
Portanto, a institucionalização do culto ajudou a dividir o cristianismo,
fortalecendo o denominacionalismo.
O culto ao Senhor não é uma programação da igreja local,
mas uma santa convocação de Deus que nos chama para estar em sua presença
(Is.6.1; Ap.4.1). Por isso, até a disposição de seu coração antes de ir ao
culto é importante. Não vá encontrar amigos e irmãos apenas; não vá para ouvir
promessas de prosperidade; não vá para extravasar emoções; nem vá para ver ou
ouvir alguém. Por causa da cultura pops stars gospel, muita gente vai a igrejas
específicas por causa do grupo de cânticos ou mesmo por causa do pregador.
Culto não é palestra; não é peça teatral; nem ponto de encontro; nem show
gospel. A adoração cristã transcende a cultura humana e os propósitos do
coração pecador. O culto é o mais sublime momento da vida humana, pois nele o
pecador é envolvido com a glória do Senhor, o Criador de todo o universo.
Vá ao culto como um servo que atende a mais honrosa
convocação de seu Senhor. Vá com o coração temente, mas, também, grato pelo
privilégio de estar diante do Deus Todo-poderoso. Deixe cair lágrimas de
arrependimento por seus pecados, e, também, sinta o ardor da alegria da salvação
invadir seu coração. Então, adore confiado na justiça do Cordeiro de Deus que
tira o pecado do mundo (Jo.1.29). Eleve a Deus seus louvores na certeza de que
o Espírito do Senhor intercederá em você (Rm.8.26), capacitando-o a responder
de acordo com a vontade de Deus, pois o Espírito do Senhor o conduzirá à toda
Verdade (Jo.16.13) para que seu culto seja agradável a Deus (Jo.4.23-24). Em
tudo isso, deixe que sua mente e coração sejam guiados pela simplicidade do
culto ensinado pela Palavra do Senhor. A beleza do culto não se encontra na
aparência do lugar nem na qualificação harmônica do grupo de cânticos. A
formosura da adoração está na presença e obra de Deus que por meio da redenção
possibilita o santo culto.
Para que a igreja de Jesus volte a ter um culto Bíblico
universal é necessário tirar o foco do homem. Os líderes transformaram o culto
a Deus numa estratégia para evangelizar pecadores. O foco conduziu as ações.
Ainda que no culto público Deus fale ao pecador, chamando-o ao arrependimento, seu
propósito não é a conversão do homem, mas a glorificação de Deus. Tire o foco
do homem e coloque-o sobre Deus. O culto é para o Senhor da glória, conforme
lemos em Isaías 6 e em Apocalipse 4 e 5. Portanto, a igreja deve se preocupar
em oferecer aquilo que agrada ao Senhor, conforme fez Abel. Além disso, não
pense que atrair pecadores para dentro de quatro paredes será sinônimo de
legítima conversão. Quando você faz o que agrada a Deus, então os frutos brotam
da parte do Senhor, o único que pode converter o coração do homem por meio da
Palavra e do Espírito Santo (Lm.5.21; Ez.36.26-27; Jo.3.5; Rm.9.18).
Voltemos ao culto transcendental ensinado por Deus ao
seu povo. Voltemos a ter um culto único em toda a terra. Voltemos à adoração
legítima unicamente ao Senhor. Oremos para que os líderes abandonem os shows
gospels. Oremos para que Deus seja o centro da adoração, não apenas por ter seu
nome citado, mas por ser o foco do culto. Ensinemos à igreja o verdadeiro culto
que tem suas bases na vida cheia do Espírito de Deus e na Palavra do Senhor
pelos quais temos fé em Cristo Jesus nosso Sumo Sacerdote. Com a graça do
Senhor, a igreja de Jesus voltará à adoração única, mantendo comunhão
espiritual entre todos os cristãos espalhados pelo mundo, e o povo de Deus terá
outra vez uma identidade cúltica.
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