“Pois tudo quanto, outrora, foi escrito para
o nosso ensino foi escrito, a fim de que, pela paciência e pela consolação das
Escrituras, tenhamos esperança.” (Rm.15.4)
Quem primeiro usou a expressão “história da salvação” foi J. C. K. Von
Hofmann, teólogo do século XIX. Como outros estudiosos, Holfmann entendia que
Cristo era o centro da história e o início de sua consumação. Além disso, Holfmann
também procurou libertar os estudos bíblicos da Teologia Dogmática de sua época,
desenvolvendo uma Teologia Bíblica conforme havia feito J. P. Gabler. Ou seja,
para Holfmann, as doutrinas, sistematizadas e ensinadas aos cristãos como
expressão última da compreensão bíblica, impediam a correta compreensão do
sentido original de cada texto bíblico dentro de seu contexto histórico.
Oscar Cullmann desenvolveu o estudo da “história da salvação”,
contrapondo a teologia de Bultmann que desassociava a fé da história com sua
“demitologização”. Bultmann havia empobrecido a fé cristã considerando-a como
um elemento meramente existencial. Cullmann demonstrou que a revelação se deu
na história e por meio dela, e que a salvação compõe uma série de fatos
históricos que devem ser cridos como manifestação divina, sobrepondo a velha
“era” pela nova, com o pagamento da dívida e a chegada do Reino de Deus.
Conforme George E. Ladd, o propósito das Escrituras é contar os atos de Deus na
história e que, portanto, é fundamental considerar a fidedignidade do registro
bíblico como histórico. É a história da salvação que liga o Antigo e o Novo Testamento,
pois o que Deus revela ao homem não é simples informação, mas, sobretudo, seu
Ser e salvação por meio de eventos históricos explicados pelas Escrituras.
Os eventos histórico-salvíficos não são ordinários. Eles são o resultado
da ação divina manifestando seu poder e graça para com o seu povo. Por meio
desses atos salvíficos, explicados pela Palavra de Deus, concedendo significado
para todas as manifestações, o Senhor revela seus atributos e caráter de sua
redenção além de revelar o que Ele quer de Seu povo. O evento
histórico-redentivo é, portanto, a revelação de Deus para o homem, mais
especificamente seu povo, para o qual o evento é realizado graciosamente. Desta
forma, Deus revela seu amor na história por meio da manifestação de sua
salvação, e, também, sua justiça e juízo, ao castigar os povos rebeldes,
condenando os ímpios com retidão. Ainda que Deus seja o Senhor de toda a
história, os eventos que a Escritura revela são especiais, pois, por meio
deles, Deus se revelou como jamais fez em outro lugar ou momento.
Os eventos históricos em Israel eram comunicados a cada geração como
revelatórios, pois neles Deus se revelara, falando a seu povo, e manifestara
sua salvação graciosa para com o povo que escolhera. A Teologia do Novo
Testamento é ensinada pelos seus autores por meio da recordação e explicação
dos eventos históricos conduzidos por Deus para realizar sua vontade salvífica
e revelar ao seu povo seu Ser. A esperança escatológica do povo de Deus, tanto
do Antigo quanto do Novo Testamento, repousava sobre eventos históricos
passados e futuros, ou seja, aquilo que Deus fez no passado era a garantia de
que Deus cumpriria a promessa de trazer para a história humana um novo tempo,
um novo céu e uma nova terra, inaugurando uma nova era. Desta forma, o credo da
igreja, desde sua fase inicial, é a recitação de eventos históricos revelados
pela Sagrada Escritura: Cristo viveu, sofreu, morreu, ressuscitou e subiu aos
céus.
No entanto, segundo George Ladd, nem todos os eventos revelados nas
Escrituras poderiam ser tratados como históricos, por não terem sido causados
por algum outro evento histórico. Desta forma, a ressurreição de Cristo e
outros eventos promovidos por Deus são chamados por George Ladd de
suprahistóricos, pois a ação direta de Deus os promoveu. Nisto, Deus se revela
como o Senhor da criação e também da história, conduzindo-a conforme sua livre
vontade, intervindo com seu poder para manifestar Sua glória.
Ridderbos realizou um excelente trabalho sobre a teologia do apóstolo
Paulo e abordou o Novo Testamento numa perspectiva exegética
histórico-redentiva, olhando para o tempo do Novo Testamento como a nova
história do mundo em seus últimos dias. Conforme Ridderbos, o evangelho não é
uma realidade somente espiritual, pois Jesus pregava a chegada real do Reino de
Deus que, conforme Paulo, se deu na “plenitude do tempo”, ou seja, no tempo
final do mundo, quando os últimos dias deste mundo foram inaugurados. A visão
Paulina não é espiritualista, mas histórico-redentiva, sempre fazendo distinção
entre a velha era, quando a carne predominava, pois estava sob a escravidão, e
a nova era inaugurada com a presença real do Reino de Deus que manifesta seu
poder libertador, tirando pessoas da prisão da velha era, para desfrutarem de
uma nova vida no Reino de Deus presente entre os homens. Para Ridderbos, “a
história da redenção é a espinha dorsal do cristianismo paulino”.
Conforme Ridderbos, as antíteses encontradas no Novo Testamento devem ser
vistas sob a perspectiva da história da salvação. Essas antíteses são
comparações entre a velha era, que estava debaixo do pecado e longe de Deus, e
a nova era na qual a graça superabundante de Deus foi derramada sobrepondo as
trevas, libertando os pecadores para uma nova vida sob o poder do Espírito,
pois os libertados se tornam súditos do Rei que impôs seu Reino sobre o mundo.
Segundo Walt Russell, Paulo vê o “progresso histórico da redenção”, e, com
diversas metáforas, apresenta analogamente as diferenças e avanços que a
história da salvação alcançou em seu estágio final com a inauguração do Reino
de Deus: primeiro Adão e último Adão, velha aliança e nova aliança, Moisés e
Cristo, império das trevas e Reino do filho do seu amor etc.
Portanto, a história-redentiva, ou história da salvação, é o projeto
divino unificado no qual a história progride para culminar em Cristo,
manifestando a glória de Deus por meio de Jesus, sobrepondo o velho mundo pelo
novo mundo refeito pelo poder e graça de Deus. Conforme disse Vern Sheridan
Poythress: “A obra de Cristo na terra, e especialmente sua crucificação e
ressurreição, é o clímax da história; é o grande centro no qual Deus consuma a
salvação para a qual toda a história do AT se direciona”. Sendo assim, a fé cristã
está alicerçada sobre os atos divinos realizados na história por meio dos quais
Ele revelou seu Ser e sua salvação, conduzindo a história até seu estágio final
que teve início com a vinda de Cristo.
O cristão vive pela esperança da conclusão dos últimos dias inaugurados,
quando por meio da volta de Jesus o novo céu e nova terra serão instalados
completamente, sobrepondo a velha história humana para uma nova e eterna vida
com Deus. Assim, segundo Tarcízio J. F. Carvalho, a história da redenção “é o
plano de Deus para a história, para os eventos que se desenrolam depois que ele
mesmo presenteou as pessoas com a criação do tempo e do espaço”. Desta forma, a
manifestação da salvação e do Reino de Deus não é somente espiritual, mas,
sobretudo, presente, pois “a redenção da criação e da humanidade é um processo
histórico, e diversos pontos desta história representam estágios neste
desenvolvimento que caminha para uma consumação”.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CARVALHO, Tarcízio José de Freitas. Orientações para a interpretação
de narrativas bíblicas. Fides Reformata, 16, nº 1, Janeiro, 2011, p.
107-128. Disponível em: Fuente Académica, EBSCOhost. Acesso em 10 de Setembro
de 2014.
FERGUSON, Sinclair B.; WRIGHT, David F. Novo Dicionário de Teologia.
São Paulo: Hagnos, 2009, p.510-511.
LADD, George Eldon. Teologia do Novo Testamento. São Paulo:
Hagnos, 2001, p.24-30.
MORRIS, Leon. Teologia do Novo Testamento. São Paulo: Edições Vida
Nova, 2003, p.212-215
POYTHRESS, Vern Sheridan. A história da Salvação no Antigo Testamento.
Tradução: Pablo Monteiro, 2011. Disponível em: http://www.monergismo.net.br/textos/at/
historia-salvacao_poythress.pdf. Acesso em 10 de setembro de 2014.
RIDDERBOS, Herman. A teologia do apóstolo Paulo: a obra definitiva
sobre o pensamento do apóstolo dos gentios. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2004.
____________. When
the time had fully come. Jordan Station: Paideia Press, 1982.
ROUKEMA, Riemer. Herman
Ridderbos’s Redemptive-historical Exegesis of the New Testament.
Westminster Theological Journal, nº 66, 2004, p.259-273.
RUSSELL, Walt. The
apostle Paul's redemptive-historical: argumentation in galatians 5:13-26. Westminster
Theological Journal, nº 57, 1995, p.333-357.
Nenhum comentário:
Postar um comentário