“Este povo
honra-me com os lábios, mas o seu coração está longe de mim.” (Mt.15.8)
Em viagem de férias, certa família cristã visita uma igreja naquela
cidade. Ao entrar, a família observa os móveis rústicos e a arquitetura antiga
da casa de oração. No boletim há parágrafos de sua Confissão de fé e perguntas
do Catecismo. Na bancada do púlpito estão os presbíteros e pastor com
paramentos eclesiásticos. O culto começa em tom solene e é regido por uma
liturgia bem orquestrada, onde muitos dos cânticos são hinos do hinário da
denominação. Ao sair daquela igreja o homem diz: “Esta é uma igreja reformada”.
Qual a imagem que os evangélicos têm sobre uma igreja reformada? O que
define uma igreja reformada? Há uma forte tentativa de se resgatar a reforma
protestante em nossos dias e isto é muito bom, pois o pentecostalismo, apensar
de ter sacudido o protestantismo, acordando-o para temas que estavam sendo
esquecidos na metade do século passado, também trouxe muitos problemas:
crendices, interpretações erradas das Escrituras, misticismos e tradições
quanto a roupas, comportamento e lugar de adoração. Até o estudo aprofundado da
Bíblia foi chamado de “doutrina de homens”, favorecendo, assim, o ministério de
pastores leigos que criaram muitos problemas teológicos, tornando o
evangelicalismo brasileiro uma salada de doutrinas estranhas. E, tendo
rejeitado a tradição Católico Romana, o pentecostalismo criou outras muitas
tradições de conteúdo bem semelhante ao arquiinimigo.
Então, a bandeira da reforma é levantada outra vez. Igrejas são exortadas
a voltar os olhos para a reforma protestante, como resposta para uma vida
cristã bíblica. Mas, ao entrar em várias dessas igrejas, autodenominadas de
reformadas, é possível se perceber que, em diversas delas, a única coisa recuperada
foi a mobília velha, os nomes dos reformadores e a tradição litúrgica
(interpretada equivocadamente). Lembro-me de ter ouvido um sermão não cristocêntrico
pregado em culto “de ações de graças” pela Reforma. Nesse sermão o pregador
falou sobre Lutero e Calvino e a história a eles atrelada, mas praticamente não
mencionou o Senhor da igreja: Cristo. Ou seja, o sermão parecia uma expressão saudosista
de alguém que sabia algo sobre a história da Reforma, mas não havia compreendido
o propósito da Reforma: Conduzir a igreja a ser cristocêntrica novamente.
Por essa razão, mesmo nas igrejas locais onde se diz haver uma busca um
resgate da reforma, facilmente pode se observar que os membros não participam
das reuniões de oração e muito menos praticam a evangelização. E sem a real
compreensão do significado e implicações dos princípios da reforma,
encontraremos apenas vidas vazias. Procurando o espírito da reforma, achamos
somente tradições; buscando o fervor dos reformadores, vemos móveis antigos e
uma arquitetura velha; desejando encontrar a presença de paixão por vidas,
somos entristecidos pelo narcisismo de religiosos ensimesmados; esperando achar
líderes piedosos que sirvam de modelo para o rebanho, ficamos perplexo ao
descobrir que formamos muitos políticos e poucos pastores; aguardando pessoas
humildes e dedicadas a Deus, deparamo-nos com a arrogância daqueles que se
acham melhores que todas os demais (sem ser), envergonhando, assim, o evangelho
daquele que nasceu numa manjedoura e morreu numa cruz, tendo lavado os pés de
seus discípulos.
Os reformadores foram homens cheios do Espírito Santo, pois buscavam dia
e noite a vontade do Senhor, meditando nas Sagradas Escrituras, orando em todo
tempo, a fim de submeter a vida à vontade do Senhor. Os puritanos foram homens
piedosos que viviam para a glória de Deus e que de tanto buscar uma vida pura
para o louvor ao Senhor, ficaram conhecidos como “puritanos”. A vida era modelo
de santidade, consagração e comunhão com o Senhor, ainda que todos tenha sido pecadores
comuns. A literatura que produziram era o reflexo de uma vida dedicada a Deus e
apontava para a glória dEle em todo tempo, conduzindo o pecador a amar as
Escrituras, viver uma vida de oração e dedicar tudo que é e tem à obra que Deus
confiou à igreja.
No entanto, em nossos dias, a vida tornou-se menos importante que um
prédio feito de tijolos. Igrejas ricas e pomposas são alvo de muito orgulho;
igrejas cheias de tradições não refletidas e uma superestrutura de interesse de
alguns, porém com púlpitos fracos e superficiais. Com o estandarte da reforma
erguido, elas não aceitam alteração nos horários das atividades nem mudança de
mobília ou lugar de culto; não suportam qualquer variação litúrgica nem a
rejeição de suas tradições já há algum tempo sacramentalizadas. Para eles, ser
reformado é manter alguns velhos costumes, proibições e rotinas, rejeitando
qualquer mudança na forma como vivem a religiosidade. Por esta razão, muitos
evangélicos têm uma má visão da Reforma protestante. E para a vergonha de nossa
geração “reformada”, enquanto, igrejas evangélicas recentes oram
incessantemente e evangelizam com paixão pelas almas perdidas, o único grito de
guerra de muitos que se autodenominam de “reformados” é: Somos eleitos! Tornando-se
irrelevantes para o evangelho e para a sociedade.
É importante, portanto, que se deixe bem claro que a Reforma protestante
não foi uma mera religiosidade cheia de tradições. Ao contrário disso, os
reformadores romperam com a vida vazia que o Catolicismo Romano estava praticando.
Os cinco solas que caracterizam o “grito de guerra” dos reformadores (sola
gratia, sola fide, solus Christus, sola Scriptura e soli Deo gloria) expressam
a profunda busca daqueles homens por resgatar a verdadeira vida cristã ensinada
pela Palavra Deus. Podemos, dizer, em certo sentido, que Reforma protestante é
sinônimo de avivamento cristão. Deus levantou homens por meio do Espírito Santo
para lutarem contra a religiosidade vazia de muitos cristãos daqueles dias (semelhante
a religiosidade de nossos dias). Além disso, a revitalização da igreja por meio
da Reforma foi muito importante para capacitar a igreja de Cristo para os
muitos combates contra o paganismo, tanto daqueles dias quanto dos dias
vindouros (humanismo, classicismo, iluminismo, racionalismo, evolucionismo,
feminismo etc.). Sem a Reforma, o cristianismo teria sucumbido ao humanismo
pagão, que ainda hoje é um dos maiores inimigos da igreja do Senhor Jesus, no
mundo ocidental.
Conforme os reformadores, a adoração deveria ser movida pelo Espírito
Santo e praticada conforme as Escrituras. Culto não era um mero ritual, mas um
encontro do pecador, justificado pelo sangue de Cristo, com o Criador de todas
as coisas. Portanto, a solenidade do culto não significava ausência de vida nem
o culto racional fora compreendido como a ausência de verdadeiras emoções. A pureza
dos cânticos estava na fidelidade deles à Palavra de Deus, não na autoria ou
antiguidade da música. Tudo deveria ser simples para que o centro do culto
fosse Cristo, não tradições que alimentam o orgulho de pecadores religiosos. No
entanto, em muitos cultos de nossos dias, pastores, presbíteros, diáconos e
membros de igreja cantam hinos antigos olhando para o teto, sem qualquer
reflexão sobre a mensagem do mesmo. E desse modo, muitos entram na casa de
oração sem prazer e, ao final do culto, após terem ouvido a mensagem
transmitida sem nenhuma paixão por parte do pregador, retornam tão vazios para
seus lares quanto estavam quando entraram na igreja.
A vida dos reformadores era humilde e mansa, disposta a estender a mão
com misericórdia para que pecadores de todas as nações conhecessem a verdade e
encontrassem a graça de Deus. Eles não mediam esforços para levar o evangelho
ao mundo e enfrentaram todo tipo de empecilho. Eles não pastoreavam por
dinheiro, mas por amor. Eles não faziam apenas o mínimo necessário para serem
vistos pelos homens, mas davam a própria vida para agradar a Deus. Eles
resistiram à fama de todas as formas e se esforçaram para evitar que fossem
alvo da idolatria dos homens ignorantes. Os bens eram dedicados à obra do
Senhor, manutenção das missões, sustento dos pobres e necessitados, auxílio de
igrejas irmãs. O Espírito de Deus realmente estava presente aplicando a Palavra
do Senhor ao coração daqueles homens que se entregaram por inteiro ao Senhor
Jesus, a fim de viverem como disse Paulo: “já não sou eu quem vive, mas
Cristo vive em mim; e esse viver que, agora, tenho na carne, vivo pela fé no
Filho de Deus, que me amou e a si mesmo se entregou por mim” (Gl.2.20).
No entanto, hoje, o dinheiro de muitas igrejas locais serve apenas para
manutenção da pomposidade e das regalias de “riquinhos metidos a besta”, sem qualquer
compaixão pelas almas perdidas. Muitos dos líderes de nossos dias são fariseus
ensimesmados que gostam das primeiras cadeiras, buscam a glória e a fama, fazem
de tudo para serem elogiados por todos, vivem em busca de exaltação. Lembro-me que
em uma reunião do presbitério, um presbítero que estava relatando os atos
pastorais precisou refazer seu relatório, porque “os elogios não estavam muito
claros”. Se os sermões fossem preparados com a mesma dedicação que cuidam da
política, teríamos melhores pregadores. Os cuidados com os próprios interesses mostram
que o coração de muitos ainda está endurecido como um velho coração de pedra.
Por isso, só choram em oração quando são acometidos de sérias doenças, mas
nunca choram pelo povo perdido, pela triste situação em que se encontra a
igreja brasileira solapada por falsos profetas e pastores de si mesmo, pelo
mundo que está entrando pela porta e janelas do cristianismo.
Nos dias da reforma protestante, a educação era fundamental e começava na
família. O homem era o cabeça do lar e não um bobão qualquer que não sabe
conduzir nem a própria vida quanto mais uma família, como vemos hoje. A igreja
investia na educação, e, assim, universidades foram formadas, sendo de grande
relevância até os dias de hoje. Lembro-me de perguntar para alguém “importante”
da denominação se conseguiríamos auxílio para começar uma escola na igreja que
pastoreamos. A resposta foi negativa. Contudo, pouco tempo depois vimos um
grande montante de dinheiro ser investido para reformar um prédio de atividades
eclesiásticas que só funciona em algumas horas por alguns poucos dias da
semana. Muitos desses eventos servem apenas para trazer entretenimentos para
atrair pecadores vazios. Programações que atraem adolescentes e jovens para as
igrejas locais, mas os distanciam de Cristo.
É curioso como tem-se preferido investir grande soma de dinheiro em
prédios de pouquíssimo uso a construir escolas que poderiam aproximar a igreja
da sociedade. Parece-nos que igrejas grandes massageiam o ego de pastores
orgulhosos e escolas dão mais trabalho do que fama e visibilidade. Todavia, a
escola é o melhor instrumento para educar a sociedade. Enquanto o pastor tem um
contato mínimo com os membros da igreja e com a sociedade durante a semana,
normalmente uma a três vezes por semana, durante duas horas apenas; por meio da
escola é possível acompanhar os alunos cinco dias por semana, durante quatro
horas diárias, somando vinte horas semanais. No entanto, há poucas escolas
cristãs; e menor ainda é o número de cristãos investindo em futuras escolas
cristãs. A visão reformada sobre a educação se perdeu com o tempo e com ela
muitos outros valores se perderam também.
Onde está a reforma? Onde estão os pastores reformados? Onde está o
estilo de vida protestante? Onde estão os cultos vivos, simples e sem tradições
resgatados pelos reformadores? Precisamos resgatar a reforma dentro das igrejas
que se dizem reformadas. E resgatar a reforma protestante é resgatar a vida cristã bíblica, santa e
agradável a Deus, onde tudo é feito para a glória do Senhor. Meras formas não
indicam a presença da reforma protestante numa igreja local. São os princípios
pelos quais grandes homens de Deus lutaram, com a própria vida, que apontam
para a presença do Espírito Santo no povo de Deus. Princípios estes que
refletem a santidade do próprio Deus.
Esse resgate só
é possível por meio do Espírito Santo, a fim de que o “reformado” não ame a
forma aparente das coisas, mas ame o Senhor de todo seu coração (Dt.6.5).
Portanto, pastores reformados, preguem a Palavra de Deus com excelência e
profundidade; vivam com piedade e santo temor dando testemunho de uma vida
guiada pelo Espírito de Deus; e, orem com insistência pelas ovelhas, pois
somente o Senhor poderá tocar no coração delas: “Dar-vos-ei coração novo e porei
dentro de vós espírito novo; tirarei de vós o coração de pedra e vos darei
coração de carne. Porei dentro de vós o meu Espírito e farei que andeis nos
meus estatutos, guardeis os meus juízos e os observeis.” (Ez.36.26-27).
Os reformadores
tinham completa razão ao dizerem que a igreja reformada precisaria estar sempre
se reformando. Nossos dias testificam tal necessidade. Então, lutemos para que a
igreja de Jesus passe por outra reforma. Preguemos 95 teses necessárias para
nossos dias e oremos para que Deus opere poderosa e graciosamente nos corações
daqueles que estão vivendo uma religiosidade vazia e enganosa. Reformar a
igreja de nossos dias não será uma tarefa fácil, como também não foi nos dias
dos reformadores. Mas, não podemos desistir, pois a igreja precisa ser
reconduzida à pureza da Escritura Sagrada. Então, mãos à obra! Preguemos a
Palavra do Senhor orando em todo tempo para que Deus reconduza sua igreja à
Cristo Jesus.
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