Pages

sábado, 3 de setembro de 2016

Os dons do Espírito

A manifestação do Espírito é concedida a cada um visando a um fim proveitoso.” (1Co.12.7)

Dons do Espírito não é assunto novo, mas, também, não deve ser ignorado. Compreendê-lo bem ajudará o cristão a trata-lo com maturidade quando estiver diante de reais manifestações e, também, de falsos e estranhos acontecimentos. Desde o cumprimento da profecia de Joel (Jl.2.28-32) nos dias de Pentecostes (At.2.1-47), quando os apóstolos presenciaram o cumprimento da promessa de Cristo (At.1.4,5,11) sobre o revestimento do poder de Deus, para a realização da obra, a igreja desfruta de uma nova era marcada por grande manifestação do Espírito, capacitando-a para a realização da obra missionária. Portanto, os cristãos precisam compreender bem o assunto, a fim de não serem “como meninos, agitados de um lado para outro e levados ao redor por todo vento de doutrina” (Ef.4.14).

Nosso propósito neste sucinto artigo é analisar os dons do Espírito nas quatro etapas da história humana, conforme reveladas pela Escritura Sagrada. Em cada uma das etapas da história, o Espírito do Senhor se manifestou com singularidade tendo em vista as nuanças de cada era e suas peculiares necessidades. Dentro dessa análise, também pretendemos responder algumas perguntas importantes: O que são os dons do Espírito? Qual o propósito dos dons do Espírito? Quem pode receber os dons do Espírito? Qual a duração dos dons do Espírito?

Veremos, a partir dos textos bíblicos, que os dons do Espírito eram concedidos à pessoa, a fim de capacitá-la a fazer algo que naturalmente não lhe era possível, com o propósito de cumprir um objetivo divino. Quando Deus quer que o homem faça algo específico que está fora do alcance natural do ser humano, então o Senhor concede os dons necessários, a fim de que sua vontade seja feita. Paulo diz que os dons eram concedidos “visando a um fim proveitoso” (1Co.12.7), ou seja, não eram confiados ao homem para alimentar seu ego ou proporcionar-lhe status perante os demais. Sendo assim, não deve ser estranha para a igreja a possibilidade de que os dons apareçam e desapareçam em determinados períodos da história; ou que sejam manifestos em lugares específicos em detrimento de outras regiões.

Devemos lembrar ainda que os dons do Espírito não têm como propósito aproximar o homem de Deus nem mesmo o santificar. Por essa razão, encontramos diversos exemplos (Balaão, israelitas do deserto, Saul, Judas, Ananias e Safira etc) que demonstram haver clara distinção entre a participação nos sinais e prodígios de Deus (Mt.7.22) e o privilégio de estar “inscrito no livro da vida” (Ap.20.15), conforme escrevemos em artigo anterior sob o título Eles nunca foram salvos.

Analisaremos o assunto dentro de uma macro divisão da história fornecida pela Escritura Sagrada: 1) Os dons do Espírito na era da perfeição (Gn.1-3); 2) Os dons do Espírito na era da promessa (Antigo Testamento); 3) Os dons do Espírito na era do Reino de Deus (Novo Testamento); 4) Os dons do Espírito na era vindoura (Após a vinda de Jesus).

1.      Os dons do Espírito na era da perfeição
Apenas três capítulos revelam os dias anteriores à queda de Adão e Eva (Gn.1-3). Contudo, eles contam tudo o que precisamos saber sobre a vida no paraíso. Adão e Eva haviam sido criados à imagem e semelhança de Deus e tinham plena comunhão com o Senhor, pois Deus se manifestava para eles e conversava com eles face a face (Gn.3.8). A missão deles era obedecer a Palavra que Deus lhes havia ordenado, com respeito ao cuidado com a criação e com eles mesmos, usufruindo de tudo que Deus criou, à exceção “da árvore do conhecimento do bem e do mal” (Gn.2.17). Devemos, então, perguntar: que dons eles precisavam para realizar a obra do Senhor?

Para cumprir a vontade de Deus, glorificando seu Santo Nome em meio à criação, Adão e Eva precisavam de sabedoria. De todos os dons encontrados nas listas dentro dos livros do Novo Testamento, a sabedoria era o único dom necessário para Adão e Eva, pois a plena comunhão deles com Deus tornava desnecessário outro dom. Eles não precisavam de cura, pois não havia doenças (Gn.3.17-19); não precisavam de profecias, pois ouviam a Palavra do próprio Deus (Gn.2.16); não precisavam de línguas, pois havia uma única língua (Gn.11.1); e, consequentemente, não precisavam de nenhum outro dom relacionado a estes.

Por isso, o Espírito lhes confiou o único dom necessário para que realizassem a vontade de Deus. A manifestação desse dom ocorre na missão de nomear todos os seres vivos, confiada por Deus a Adão, tendo este sido criado no mesmo dia (Gn.2.4-25). Sabemos que a sabedoria é dom do Espírito, mencionada por Paulo em uma de suas listas sobre os dons (1Co.12.8); Salomão recebeu do Senhor a mesma sabedoria, a fim de servi-lo na condução do povo de Deus (1Rs.3.5-14); Paulo rogava ao Senhor, a fim de que Deus concedesse sabedoria à igreja (Cl.1.9); e, Tiago estimulou a igreja a buscar em Deus a dádiva da sabedoria (Tg.1.5). Esse maravilhoso dom foi concedido ao povo de Deus ao longo da história, conforme já demonstramos em artigo anterior intitulado: A origem da educação intelectual.

Portanto, na primeira era da história humana, o Espírito concedeu ao homem o dom necessário para fim proveitoso. É interessante observar que esse dom não foi suficiente para impedir que Adão e Eva pecassem contra o Senhor. O mesmo pode ser visto por meio da história de Salomão (1Rs.11) e, também, nos dias do Novo Testamento (2Co.12.7). Adão e Eva estavam completos, em plena comunhão com Deus. Eles não precisavam de manifestações que apontassem para o Criador, pois o viam face a face. Portanto, nenhum outro dom lhes era necessário, e nenhuma outra manifestação ocorreu naqueles dias.

2.      Os dons do Espírito na era da promessa
Contudo, o período de perfeição acabou, pois o homem e a mulher duvidaram da Palavra de Deus. A partir daí, uma nova era surge, quando Deus não mais se manifestaria diante do homem, como fazia antes; nem Adão nem sua descendência veriam a Deus “pela viração do dia”; nem ouviriam sua voz com tanta frequência. Agravando mais a triste situação, o coração do homem estaria completamente propenso ao mal, sempre duvidando de Deus e sua Palavra. Portanto, as faculdades físicas e mentais do ser humano foram afetadas pela queda, trazendo sérios problemas para sua jornada diante do Senhor.

Deve-se observar, desde já, que o dom da sabedoria, concedido pelo Espírito a Adão e Eva não teve fim com a queda (Gn.4.20-22//Ex.28.3; 35.30-35). Porém, não lhes foi garantida a sucessão para os descendentes, pois nem todos possuíam sabedoria proveniente do Senhor (Mq.6.9). De acordo com o propósito de Deus, alguns personagens aparecem na história possuindo o mesmo dom de sabedoria que um dia fora concedido para Adão e Eva (José, Daniel, Jó etc). Esses personagens chamavam a atenção dos demais, apontando para Deus, a fonte do saber deles. Portanto, após a queda, Deus não abandonou o ser humano, antes revelou que tinha um plano redentor para toda a criação. E para que esse plano fosse concretizado, Deus decidiu usar o próprio ser humano, a fim de manifestar sua glória no decorrer das gerações. Mas, como isso poderia acontecer se a natureza humana estava caída, frágil, imperfeita e distante de Deus? O Senhor concederia dons aos homens para que estes cumprissem sua vontade, como instrumentos, no curso do projeto redentor.

Nos dias do Antigo Testamento, a manifestação dos dons era esporádica visando o andamento do projeto redentor. Mesmo não sendo semelhante em circunstância e propósito ao dom de línguas, na ocasião da construção da torre de Babel, Deus fez com que as pessoas falassem línguas diferentes. Portanto, houve uma dádiva da capacidade de se falar outra língua com o propósito de evitar pecados a nível mundial. Não devemos descartar esse evento, pois o fenômeno foi proporcionado por Deus em caráter permanente, junto ao propósito de corroborar com o plano de salvação, tornando possível a separação de um povo com o fim de trazer o Filho de Deus à luz.

A história segue e Deus chama os três patriarcas: Abraão, Isaque e Jacó. Neles, encontraremos o dom de profecia, conforme anunciado por Deus para Abimeleque (Gn.20.7) e demonstrado na história de Isaque e Jacó, que profetizam o futuro de seus filhos (Gn.27.27-29,39-40; 49.1-27). No meio da história dos patriarcas, encontramos ainda José, filho de Jacó, com o dom de interpretar sonhos. Seu dom foi um importante instrumento para a salvação de sua família, cumprindo um fundamental papel dentro do projeto redentor. Mais adiante, Deus chama Moisés e concede-lhe dons para que estes manifestassem a glória de Deus perante o povo de Israel, a fim de que toda a terra soubesse que o Deus de Israel era o único e soberano Deus sobre todos (Ex3-11). Moisés foi grande instrumento de Deus tanto na libertação do povo da terra do Egito quanto na condução do povo pelo deserto, operando prodígios que testificavam a grandeza de Deus.

Todos esses dons concedidos visavam a um fim proveitoso. Deus concedeu dons para pessoas diversas, a fim de que estivessem aptas a fazer a vontade dEle. Essas pessoas não se limitam aos verdadeiros crentes, pois todos quantos o Senhor quisesse usar para algum fim ele usaria: Balaão, Sansão, Saul, Bezaleel e Aoliabe, Samuel, Davi etc. O propósito principal era manifestar a glória de Deus contribuindo para a concretização do projeto redentor que estava em andamento. E por causa da dureza de coração dos homens, os milagres e as maravilhas realizados por homens de Deus cumpriam, também, o objetivo de apontar para o Senhor como o único e verdadeiro Deus, atraindo as pessoas para a Palavra anunciada pelos mensageiros de Deus (Ex.3-4).

Mas, tendo em vista que o propósito desses dons não era, primariamente, atrair a atenção das pessoas para que ouvissem a mensagem evangelística, eles foram concedidos em determinados períodos, somente. O foco do Antigo Testamento é a concretização da promessa redentora que se cumpriria por meio da vinda do Filho de Deus. E para que essa vinda acontecesse, Deus escolheu e preservou um povo especifico. Os dons contribuíram com a manutenção do projeto redentor, em cada passo de sua execução. Por essa razão, os dons no Antigo Testamento aparecem apenas quando convém, e desaparecem pelo tempo em que não são necessários. O importante era que a história da redenção estivesse em andamento.

3.      Os dons do Espírito na era do Reino de Deus
No tempo determinado por Deus, Cristo veio ao mundo e concretizou a promessa redentora, morrendo em nosso lugar, alcançando, assim, a justificação e vida eterna para todos os que creem. Cristo, então, trouxe uma nova era para a história, com a manifestação do Reino de Deus. Israel cumpriu seu papel dentro da história da salvação e cada pessoa que havia recebido dons para servir ao Senhor desempenhou importante função no projeto redentor. Uma vez cumprida a promessa de Deus, a igreja recebe outra missão: anunciar o Evangelho de Cristo ao mundo, a fim de que as pessoas cressem na Palavra de Deus e recebessem a salvação em Jesus. Portanto, a missão da igreja mudou um pouco. Nos dias do Antigo Testamento, o povo de Deus não apenas testemunhava a glória de Deus, mas tinha importante papel na concretização da chegada do Messias. Nos dias do Novo Testamento, a igreja recebe a ampla missão de testemunhar a obra redentora concretizada por Jesus.

Por esta razão, os dons são dados em larga escala para a igreja, a fim de que todos saiam pelo mundo a anunciar o cumprimento da promessa redentora feita a Adão e Eva (Gn.3.15). Então, quais dons são necessários à igreja para o cumprimento de sua missão? A igreja encontra um mundo idólatra, incrédulo, com muitas línguas. E para desbravar o mundo, a igreja recebeu dons que tanto tornam possível a comunicação quanto atraem as pessoas, a fim de que ouçam o Evangelho. Quando a realidade da igreja muda diante do mundo, muda, também, sua necessidade quanto aos dons, a fim de que eles sejam dados para fim proveitoso.

Desta forma, os dons poderiam aparecer em locais e épocas diferentes a depender da necessidade, para que se cumprisse a missão. Os ofícios, distintos dos dons, foram dados tanto para a propagação do Evangelho quanto para a manutenção da igreja e eram acompanhados de dons para a viabilização da tarefa. A duração deles também estaria relacionada com seu objetivo. Os apóstolos foram os responsáveis por colocar o fundamento da igreja, como testemunhas primárias de todo o ministério de Jesus (At.1.8,15-26). Seu propósito bastante específico justifica sua curta duração. Colocado o fundamento da igreja, a Escritura Sagrada do Novo Testamento, o apostolado se tornou desnecessário e foi extinto com a morte do último dos apóstolos: João.

Contudo, a igreja precisava ser pastoreada continuamente, a fim de não ser levada por ventos de doutrinas. Para isso, Deus chama homens, capacitando-os a exercerem o ministério pastoral. Para seu cumprimento eficaz, o dom da sabedoria é fundamental. Outros são chamados para desbravar povos não alcançados. Então, estes receberiam dons de cura e línguas, a fim de chamar a atenção das pessoas para a importância de darem ouvidos à mensagem por eles veiculada. Desta forma, diversos dons são dados à igreja tanto para sua edificação quanto para a propagação do Evangelho. Por isso, a depender da maturidade da igreja, com respeito ao conhecimento de Deus e segurança da salvação; e, na medida em que Jesus se tornava conhecido dos povos, os dons se tornariam desnecessários, pois não tem fim em si mesmo, mas são instrumentos para viabilizarem o cumprimento de uma missão. Assim, eles vão e vem de acordo com o propósito de Deus para as gerações; de acordo com as características de cada geração.

Para alguns estudiosos, alguns dons do Espírito estavam estritamente relacionados à revelação do Novo Testamento. O problema é que a revelação do Novo Testamento ocorreu ao mesmo tempo em que os apóstolos, e a igreja em geral, pregavam o Evangelho, a fim de cumprir a missão ordenada por Jesus. Contudo, a revelação do Novo Testamento e a missão da igreja são coisas distintas, e nenhuma delas foi indissociável dos dons “extraordinários”. Nem sempre a revelação esteve acompanhada ao dom de cura, profecia ou língua; nem muito menos as missões ocorriam somente em ambiente de manifestação de dons do Espírito. Portanto, é necessário haver separação entre os três elementos do Novo Testamento, a fim de se compreender o papel e a duração de cada um.

A única associação correta à revelação do Novo Testamento é o ministério apostólico, e os profetas neotestemantários associados a eles, destinados a por o fundamento da igreja: Jesus (Gl.1.15-2.10; Ef.2.20; 3.5; 2Pe.3.2; Jd.17). Com a morte dos apóstolos, encerra-se a Escritura, semelhante ao que aconteceu nos dias do Antigo Testamento, pois devemos lembrar que Deus não escolheu dons para revelar sua Palavra, mas, sim, algumas pessoas para registrarem a revelação do Senhor. Os dons não foram instrumentos para a revelação da Palavra de Deus, mas para a propagação dela em determinadas circunstâncias, com o fim de chamar a atenção das pessoas para a procedência divina da mensagem que estava sendo anunciada.

Quando a igreja não compreende o propósito dos dons fica sujeita a supervaloriza-los ou mesmo anulá-los. Os dons não devem ter fim em si mesmo, mas, também, não devem ser desprezados, pois são ferramentas úteis para a propagação da Palavra de Deus. A má compreensão sobre os dons faz com que a igreja os torne em algo sem propósito, como ocorreu com a igreja de Corinto. Paulo, então, educa os cristãos de Corinto, a fim de que soubessem fazer uso correto dos dons, atribuindo a eles apenas o valor devido, pois seu propósito era específico e sua duração temporária.

4.      Os dons do Espírito na era vindoura
Ainda que alguns textos do Novo Testamento falem da vinda de Jesus e da era vindouro (Mt.25.31-46; 1Co.15.1-58; 1Ts.4.13-18; Ap.21-22), eles não detalham sobre a vida do povo de Deus naqueles dias. As informações fornecidas pela Palavra de Deus nos levam à construção de uma vida plena com Deus quando veremos a Cristo face a face (1Co.13.12; Ap.21.3); vivendo numa criação restaurada (Rm.8.18-23); como irmãos da família de Deus (Ef.2.19); sem a contração de matrimônio (Mt.22.30); com corpos perfeitos que não sofrerão males ou morte (Rm.8.17; 1Co.15.53; Ap.21.4). Não sabemos se falaremos uma mesma língua, ainda que pudéssemos presumir que sim. Mas, em Apocalipse há pessoas de diversas línguas diante do trono do Senhor (Ap.5.9; 7.9).

Desta forma, as características da era vindoura são parecidas com os dias no paraíso. Há mudanças evidentes, como o número de pessoas e a ausência de casamento. Contudo, também é notório o retorno ao estado de perfeição e comunhão com o Criador. Deus se manifestará para seu povo em Cristo e a criação estará em harmonia outra vez. Portanto, quais dons o Espírito daria para seu povo, além de todas as dádivas graciosas concedidas para o desfrute da eternidade? Parece-nos que os dons se tornam desnecessário, pois todos estarão diante da glória de Deus. O propósito para o qual os dons foram dados terá sido alcançado, e um grande povo estará diante de Deus para sempre. Sendo assim, os dons são substituídos pela chegada de algo maior, pleno e perfeito: a plenitude do Reino de Deus com Cristo. Por isso, disse Paulo: “O amor jamais acaba; mas, havendo profecias, desaparecerão; havendo línguas, cessarão; havendo ciência, passará;  9 porque, em parte, conhecemos e, em parte, profetizamos.  10 Quando, porém, vier o que é perfeito, então, o que é em parte será aniquilado.  11 Quando eu era menino, falava como menino, sentia como menino, pensava como menino; quando cheguei a ser homem, desisti das coisas próprias de menino.  12 Porque, agora, vemos como em espelho, obscuramente; então, veremos face a face. Agora, conheço em parte; então, conhecerei como também sou conhecido.  13 Agora, pois, permanecem a fé, a esperança e o amor, estes três; porém o maior destes é o amor.” (1Co.13.8-13)


Nenhum comentário:

Postar um comentário