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terça-feira, 24 de novembro de 2015

A História da Redenção

Pois tudo quanto, outrora, foi escrito para o nosso ensino foi escrito, a fim de que, pela paciência e pela consolação das Escrituras, tenhamos esperança.” (Rm.15.4)

Quem primeiro usou a expressão “história da salvação” foi J. C. K. Von Hofmann, teólogo do século XIX. Como outros estudiosos, Holfmann entendia que Cristo era o centro da história e o início de sua consumação. Além disso, Holfmann também procurou libertar os estudos bíblicos da Teologia Dogmática de sua época, desenvolvendo uma Teologia Bíblica conforme havia feito J. P. Gabler. Ou seja, para Holfmann, as doutrinas, sistematizadas e ensinadas aos cristãos como expressão última da compreensão bíblica, impediam a correta compreensão do sentido original de cada texto bíblico dentro de seu contexto histórico.
Oscar Cullmann desenvolveu o estudo da “história da salvação”, contrapondo a teologia de Bultmann que desassociava a fé da história com sua “demitologização”. Bultmann havia empobrecido a fé cristã considerando-a como um elemento meramente existencial. Cullmann demonstrou que a revelação se deu na história e por meio dela, e que a salvação compõe uma série de fatos históricos que devem ser cridos como manifestação divina, sobrepondo a velha “era” pela nova, com o pagamento da dívida e a chegada do Reino de Deus. Conforme George E. Ladd, o propósito das Escrituras é contar os atos de Deus na história e que, portanto, é fundamental considerar a fidedignidade do registro bíblico como histórico. É a história da salvação que liga o Antigo e o Novo Testamento, pois o que Deus revela ao homem não é simples informação, mas, sobretudo, seu Ser e salvação por meio de eventos históricos explicados pelas Escrituras.
Os eventos histórico-salvíficos não são ordinários. Eles são o resultado da ação divina manifestando seu poder e graça para com o seu povo. Por meio desses atos salvíficos, explicados pela Palavra de Deus, concedendo significado para todas as manifestações, o Senhor revela seus atributos e caráter de sua redenção além de revelar o que Ele quer de Seu povo. O evento histórico-redentivo é, portanto, a revelação de Deus para o homem, mais especificamente seu povo, para o qual o evento é realizado graciosamente. Desta forma, Deus revela seu amor na história por meio da manifestação de sua salvação, e, também, sua justiça e juízo, ao castigar os povos rebeldes, condenando os ímpios com retidão. Ainda que Deus seja o Senhor de toda a história, os eventos que a Escritura revela são especiais, pois, por meio deles, Deus se revelou como jamais fez em outro lugar ou momento.
Os eventos históricos em Israel eram comunicados a cada geração como revelatórios, pois neles Deus se revelara, falando a seu povo, e manifestara sua salvação graciosa para com o povo que escolhera. A Teologia do Novo Testamento é ensinada pelos seus autores por meio da recordação e explicação dos eventos históricos conduzidos por Deus para realizar sua vontade salvífica e revelar ao seu povo seu Ser. A esperança escatológica do povo de Deus, tanto do Antigo quanto do Novo Testamento, repousava sobre eventos históricos passados e futuros, ou seja, aquilo que Deus fez no passado era a garantia de que Deus cumpriria a promessa de trazer para a história humana um novo tempo, um novo céu e uma nova terra, inaugurando uma nova era. Desta forma, o credo da igreja, desde sua fase inicial, é a recitação de eventos históricos revelados pela Sagrada Escritura: Cristo viveu, sofreu, morreu, ressuscitou e subiu aos céus.
No entanto, segundo George Ladd, nem todos os eventos revelados nas Escrituras poderiam ser tratados como históricos, por não terem sido causados por algum outro evento histórico. Desta forma, a ressurreição de Cristo e outros eventos promovidos por Deus são chamados por George Ladd de suprahistóricos, pois a ação direta de Deus os promoveu. Nisto, Deus se revela como o Senhor da criação e também da história, conduzindo-a conforme sua livre vontade, intervindo com seu poder para manifestar Sua glória.
Ridderbos realizou um excelente trabalho sobre a teologia do apóstolo Paulo e abordou o Novo Testamento numa perspectiva exegética histórico-redentiva, olhando para o tempo do Novo Testamento como a nova história do mundo em seus últimos dias. Conforme Ridderbos, o evangelho não é uma realidade somente espiritual, pois Jesus pregava a chegada real do Reino de Deus que, conforme Paulo, se deu na “plenitude do tempo”, ou seja, no tempo final do mundo, quando os últimos dias deste mundo foram inaugurados. A visão Paulina não é espiritualista, mas histórico-redentiva, sempre fazendo distinção entre a velha era, quando a carne predominava, pois estava sob a escravidão, e a nova era inaugurada com a presença real do Reino de Deus que manifesta seu poder libertador, tirando pessoas da prisão da velha era, para desfrutarem de uma nova vida no Reino de Deus presente entre os homens. Para Ridderbos, “a história da redenção é a espinha dorsal do cristianismo paulino”.
Conforme Ridderbos, as antíteses encontradas no Novo Testamento devem ser vistas sob a perspectiva da história da salvação. Essas antíteses são comparações entre a velha era, que estava debaixo do pecado e longe de Deus, e a nova era na qual a graça superabundante de Deus foi derramada sobrepondo as trevas, libertando os pecadores para uma nova vida sob o poder do Espírito, pois os libertados se tornam súditos do Rei que impôs seu Reino sobre o mundo. Segundo Walt Russell, Paulo vê o “progresso histórico da redenção”, e, com diversas metáforas, apresenta analogamente as diferenças e avanços que a história da salvação alcançou em seu estágio final com a inauguração do Reino de Deus: primeiro Adão e último Adão, velha aliança e nova aliança, Moisés e Cristo, império das trevas e Reino do filho do seu amor etc.
Portanto, a história-redentiva, ou história da salvação, é o projeto divino unificado no qual a história progride para culminar em Cristo, manifestando a glória de Deus por meio de Jesus, sobrepondo o velho mundo pelo novo mundo refeito pelo poder e graça de Deus. Conforme disse Vern Sheridan Poythress: “A obra de Cristo na terra, e especialmente sua crucificação e ressurreição, é o clímax da história; é o grande centro no qual Deus consuma a salvação para a qual toda a história do AT se direciona”. Sendo assim, a fé cristã está alicerçada sobre os atos divinos realizados na história por meio dos quais Ele revelou seu Ser e sua salvação, conduzindo a história até seu estágio final que teve início com a vinda de Cristo.
O cristão vive pela esperança da conclusão dos últimos dias inaugurados, quando por meio da volta de Jesus o novo céu e nova terra serão instalados completamente, sobrepondo a velha história humana para uma nova e eterna vida com Deus. Assim, segundo Tarcízio J. F. Carvalho, a história da redenção “é o plano de Deus para a história, para os eventos que se desenrolam depois que ele mesmo presenteou as pessoas com a criação do tempo e do espaço”. Desta forma, a manifestação da salvação e do Reino de Deus não é somente espiritual, mas, sobretudo, presente, pois “a redenção da criação e da humanidade é um processo histórico, e diversos pontos desta história representam estágios neste desenvolvimento que caminha para uma consumação”.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CARVALHO, Tarcízio José de Freitas. Orientações para a interpretação de narrativas bíblicas. Fides Reformata, 16, nº 1, Janeiro, 2011, p. 107-128. Disponível em: Fuente Académica, EBSCOhost. Acesso em 10 de Setembro de 2014.
FERGUSON, Sinclair B.; WRIGHT, David F. Novo Dicionário de Teologia. São Paulo: Hagnos, 2009, p.510-511.
LADD, George Eldon. Teologia do Novo Testamento. São Paulo: Hagnos, 2001, p.24-30.
MORRIS, Leon. Teologia do Novo Testamento. São Paulo: Edições Vida Nova, 2003, p.212-215
POYTHRESS, Vern Sheridan. A história da Salvação no Antigo Testamento. Tradução: Pablo Monteiro, 2011. Disponível em: http://www.monergismo.net.br/textos/at/ historia-salvacao_poythress.pdf. Acesso em 10 de setembro de 2014.
RIDDERBOS, Herman. A teologia do apóstolo Paulo: a obra definitiva sobre o pensamento do apóstolo dos gentios. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2004.
____________. When the time had fully come. Jordan Station: Paideia Press, 1982.
ROUKEMA, Riemer. Herman Ridderbos’s Redemptive-historical Exegesis of the New Testament. Westminster Theological Journal, nº 66, 2004, p.259-273.
RUSSELL, Walt. The apostle Paul's redemptive-historical: argumentation in galatians 5:13-26. Westminster Theological Journal, nº 57, 1995, p.333-357.

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