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sexta-feira, 28 de junho de 2013

Reforma ou mera forma


Este povo honra-me com os lábios, mas o seu coração está longe de mim.” (Mt.15.8)

Em viagem de férias, certa família cristã visita uma igreja naquela cidade. Ao entrar, a família observa os móveis rústicos e a arquitetura antiga da casa de oração. No boletim há parágrafos de sua Confissão de fé e perguntas do Catecismo. Na bancada do púlpito estão os presbíteros e pastor com paramentos eclesiásticos. O culto começa em tom solene e é regido por uma liturgia bem orquestrada, onde muitos dos cânticos são hinos do hinário da denominação. Ao sair daquela igreja o homem diz: “Esta é uma igreja reformada”. 
Qual a imagem que os evangélicos têm sobre uma igreja reformada? O que define uma igreja reformada? Há uma forte tentativa de se resgatar a reforma protestante em nossos dias e isto é muito bom, pois o pentecostalismo, apensar de ter sacudido o protestantismo, acordando-o para temas que estavam sendo esquecidos na metade do século passado, também trouxe muitos problemas: crendices, interpretações erradas das Escrituras, misticismos e tradições quanto a roupas, comportamento e lugar de adoração. Até o estudo aprofundado da Bíblia foi chamado de “doutrina de homens”, favorecendo, assim, o ministério de pastores leigos que criaram muitos problemas teológicos, tornando o evangelicalismo brasileiro uma salada de doutrinas estranhas. E, tendo rejeitado a tradição Católico Romana, o pentecostalismo criou outras muitas tradições de conteúdo bem semelhante ao arquiinimigo.
Então, a bandeira da reforma é levantada outra vez. Igrejas são exortadas a voltar os olhos para a reforma protestante, como resposta para uma vida cristã bíblica. Mas, ao entrar em várias dessas igrejas, autodenominadas de reformadas, é possível se perceber que, em diversas delas, a única coisa recuperada foi a mobília velha, os nomes dos reformadores e a tradição litúrgica (interpretada equivocadamente). Lembro-me de ter ouvido um sermão não cristocêntrico pregado em culto “de ações de graças” pela Reforma. Nesse sermão o pregador falou sobre Lutero e Calvino e a história a eles atrelada, mas praticamente não mencionou o Senhor da igreja: Cristo. Ou seja, o sermão parecia uma expressão saudosista de alguém que sabia algo sobre a história da Reforma, mas não havia compreendido o propósito da Reforma: Conduzir a igreja a ser cristocêntrica novamente.
Por essa razão, mesmo nas igrejas locais onde se diz haver uma busca um resgate da reforma, facilmente pode se observar que os membros não participam das reuniões de oração e muito menos praticam a evangelização. E sem a real compreensão do significado e implicações dos princípios da reforma, encontraremos apenas vidas vazias. Procurando o espírito da reforma, achamos somente tradições; buscando o fervor dos reformadores, vemos móveis antigos e uma arquitetura velha; desejando encontrar a presença de paixão por vidas, somos entristecidos pelo narcisismo de religiosos ensimesmados; esperando achar líderes piedosos que sirvam de modelo para o rebanho, ficamos perplexo ao descobrir que formamos muitos políticos e poucos pastores; aguardando pessoas humildes e dedicadas a Deus, deparamo-nos com a arrogância daqueles que se acham melhores que todas os demais (sem ser), envergonhando, assim, o evangelho daquele que nasceu numa manjedoura e morreu numa cruz, tendo lavado os pés de seus discípulos.
Os reformadores foram homens cheios do Espírito Santo, pois buscavam dia e noite a vontade do Senhor, meditando nas Sagradas Escrituras, orando em todo tempo, a fim de submeter a vida à vontade do Senhor. Os puritanos foram homens piedosos que viviam para a glória de Deus e que de tanto buscar uma vida pura para o louvor ao Senhor, ficaram conhecidos como “puritanos”. A vida era modelo de santidade, consagração e comunhão com o Senhor, ainda que todos tenha sido pecadores comuns. A literatura que produziram era o reflexo de uma vida dedicada a Deus e apontava para a glória dEle em todo tempo, conduzindo o pecador a amar as Escrituras, viver uma vida de oração e dedicar tudo que é e tem à obra que Deus confiou à igreja.
No entanto, em nossos dias, a vida tornou-se menos importante que um prédio feito de tijolos. Igrejas ricas e pomposas são alvo de muito orgulho; igrejas cheias de tradições não refletidas e uma superestrutura de interesse de alguns, porém com púlpitos fracos e superficiais. Com o estandarte da reforma erguido, elas não aceitam alteração nos horários das atividades nem mudança de mobília ou lugar de culto; não suportam qualquer variação litúrgica nem a rejeição de suas tradições já há algum tempo sacramentalizadas. Para eles, ser reformado é manter alguns velhos costumes, proibições e rotinas, rejeitando qualquer mudança na forma como vivem a religiosidade. Por esta razão, muitos evangélicos têm uma má visão da Reforma protestante. E para a vergonha de nossa geração “reformada”, enquanto, igrejas evangélicas recentes oram incessantemente e evangelizam com paixão pelas almas perdidas, o único grito de guerra de muitos que se autodenominam de “reformados” é: Somos eleitos! Tornando-se irrelevantes para o evangelho e para a sociedade.
É importante, portanto, que se deixe bem claro que a Reforma protestante não foi uma mera religiosidade cheia de tradições. Ao contrário disso, os reformadores romperam com a vida vazia que o Catolicismo Romano estava praticando. Os cinco solas que caracterizam o “grito de guerra” dos reformadores (sola gratia, sola fide, solus Christus, sola Scriptura e soli Deo gloria) expressam a profunda busca daqueles homens por resgatar a verdadeira vida cristã ensinada pela Palavra Deus. Podemos, dizer, em certo sentido, que Reforma protestante é sinônimo de avivamento cristão. Deus levantou homens por meio do Espírito Santo para lutarem contra a religiosidade vazia de muitos cristãos daqueles dias (semelhante a religiosidade de nossos dias). Além disso, a revitalização da igreja por meio da Reforma foi muito importante para capacitar a igreja de Cristo para os muitos combates contra o paganismo, tanto daqueles dias quanto dos dias vindouros (humanismo, classicismo, iluminismo, racionalismo, evolucionismo, feminismo etc.). Sem a Reforma, o cristianismo teria sucumbido ao humanismo pagão, que ainda hoje é um dos maiores inimigos da igreja do Senhor Jesus, no mundo ocidental.
Conforme os reformadores, a adoração deveria ser movida pelo Espírito Santo e praticada conforme as Escrituras. Culto não era um mero ritual, mas um encontro do pecador, justificado pelo sangue de Cristo, com o Criador de todas as coisas. Portanto, a solenidade do culto não significava ausência de vida nem o culto racional fora compreendido como a ausência de verdadeiras emoções. A pureza dos cânticos estava na fidelidade deles à Palavra de Deus, não na autoria ou antiguidade da música. Tudo deveria ser simples para que o centro do culto fosse Cristo, não tradições que alimentam o orgulho de pecadores religiosos. No entanto, em muitos cultos de nossos dias, pastores, presbíteros, diáconos e membros de igreja cantam hinos antigos olhando para o teto, sem qualquer reflexão sobre a mensagem do mesmo. E desse modo, muitos entram na casa de oração sem prazer e, ao final do culto, após terem ouvido a mensagem transmitida sem nenhuma paixão por parte do pregador, retornam tão vazios para seus lares quanto estavam quando entraram na igreja.
A vida dos reformadores era humilde e mansa, disposta a estender a mão com misericórdia para que pecadores de todas as nações conhecessem a verdade e encontrassem a graça de Deus. Eles não mediam esforços para levar o evangelho ao mundo e enfrentaram todo tipo de empecilho. Eles não pastoreavam por dinheiro, mas por amor. Eles não faziam apenas o mínimo necessário para serem vistos pelos homens, mas davam a própria vida para agradar a Deus. Eles resistiram à fama de todas as formas e se esforçaram para evitar que fossem alvo da idolatria dos homens ignorantes. Os bens eram dedicados à obra do Senhor, manutenção das missões, sustento dos pobres e necessitados, auxílio de igrejas irmãs. O Espírito de Deus realmente estava presente aplicando a Palavra do Senhor ao coração daqueles homens que se entregaram por inteiro ao Senhor Jesus, a fim de viverem como disse Paulo: “já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim; e esse viver que, agora, tenho na carne, vivo pela fé no Filho de Deus, que me amou e a si mesmo se entregou por mim” (Gl.2.20).
No entanto, hoje, o dinheiro de muitas igrejas locais serve apenas para manutenção da pomposidade e das regalias de “riquinhos metidos a besta”, sem qualquer compaixão pelas almas perdidas. Muitos dos líderes de nossos dias são fariseus ensimesmados que gostam das primeiras cadeiras, buscam a glória e a fama, fazem de tudo para serem elogiados por todos, vivem em busca de exaltação. Lembro-me que em uma reunião do presbitério, um presbítero que estava relatando os atos pastorais precisou refazer seu relatório, porque “os elogios não estavam muito claros”. Se os sermões fossem preparados com a mesma dedicação que cuidam da política, teríamos melhores pregadores. Os cuidados com os próprios interesses mostram que o coração de muitos ainda está endurecido como um velho coração de pedra. Por isso, só choram em oração quando são acometidos de sérias doenças, mas nunca choram pelo povo perdido, pela triste situação em que se encontra a igreja brasileira solapada por falsos profetas e pastores de si mesmo, pelo mundo que está entrando pela porta e janelas do cristianismo.
Nos dias da reforma protestante, a educação era fundamental e começava na família. O homem era o cabeça do lar e não um bobão qualquer que não sabe conduzir nem a própria vida quanto mais uma família, como vemos hoje. A igreja investia na educação, e, assim, universidades foram formadas, sendo de grande relevância até os dias de hoje. Lembro-me de perguntar para alguém “importante” da denominação se conseguiríamos auxílio para começar uma escola na igreja que pastoreamos. A resposta foi negativa. Contudo, pouco tempo depois vimos um grande montante de dinheiro ser investido para reformar um prédio de atividades eclesiásticas que só funciona em algumas horas por alguns poucos dias da semana. Muitos desses eventos servem apenas para trazer entretenimentos para atrair pecadores vazios. Programações que atraem adolescentes e jovens para as igrejas locais, mas os distanciam de Cristo. 
É curioso como tem-se preferido investir grande soma de dinheiro em prédios de pouquíssimo uso a construir escolas que poderiam aproximar a igreja da sociedade. Parece-nos que igrejas grandes massageiam o ego de pastores orgulhosos e escolas dão mais trabalho do que fama e visibilidade. Todavia, a escola é o melhor instrumento para educar a sociedade. Enquanto o pastor tem um contato mínimo com os membros da igreja e com a sociedade durante a semana, normalmente uma a três vezes por semana, durante duas horas apenas; por meio da escola é possível acompanhar os alunos cinco dias por semana, durante quatro horas diárias, somando vinte horas semanais. No entanto, há poucas escolas cristãs; e menor ainda é o número de cristãos investindo em futuras escolas cristãs. A visão reformada sobre a educação se perdeu com o tempo e com ela muitos outros valores se perderam também.
Onde está a reforma? Onde estão os pastores reformados? Onde está o estilo de vida protestante? Onde estão os cultos vivos, simples e sem tradições resgatados pelos reformadores? Precisamos resgatar a reforma dentro das igrejas que se dizem reformadas. E resgatar a reforma protestante é resgatar a vida cristã bíblica, santa e agradável a Deus, onde tudo é feito para a glória do Senhor. Meras formas não indicam a presença da reforma protestante numa igreja local. São os princípios pelos quais grandes homens de Deus lutaram, com a própria vida, que apontam para a presença do Espírito Santo no povo de Deus. Princípios estes que refletem a santidade do próprio Deus.
Esse resgate só é possível por meio do Espírito Santo, a fim de que o “reformado” não ame a forma aparente das coisas, mas ame o Senhor de todo seu coração (Dt.6.5). Portanto, pastores reformados, preguem a Palavra de Deus com excelência e profundidade; vivam com piedade e santo temor dando testemunho de uma vida guiada pelo Espírito de Deus; e, orem com insistência pelas ovelhas, pois somente o Senhor poderá tocar no coração delas: “Dar-vos-ei coração novo e porei dentro de vós espírito novo; tirarei de vós o coração de pedra e vos darei coração de carne. Porei dentro de vós o meu Espírito e farei que andeis nos meus estatutos, guardeis os meus juízos e os observeis.” (Ez.36.26-27).
Os reformadores tinham completa razão ao dizerem que a igreja reformada precisaria estar sempre se reformando. Nossos dias testificam tal necessidade. Então, lutemos para que a igreja de Jesus passe por outra reforma. Preguemos 95 teses necessárias para nossos dias e oremos para que Deus opere poderosa e graciosamente nos corações daqueles que estão vivendo uma religiosidade vazia e enganosa. Reformar a igreja de nossos dias não será uma tarefa fácil, como também não foi nos dias dos reformadores. Mas, não podemos desistir, pois a igreja precisa ser reconduzida à pureza da Escritura Sagrada. Então, mãos à obra! Preguemos a Palavra do Senhor orando em todo tempo para que Deus reconduza sua igreja à Cristo Jesus.

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