“Porque
eu recebi do Senhor o que também vos entreguei” (1Co.11.23)
Há certo debate sobre qual deveria ser a natureza dos
elementos da Ceia do Senhor, principalmente no que diz respeito ao fruto da
videira: vinho ou suco de uva. Ampliando a discussão, temos ainda a diferença
entre a hóstia, pão ázimo servido na Ceia Católico Romana, e o pão comum, não
ázimo, servido na Ceia das igrejas evangélicas. Todavia, é interessante vermos
que as discussões nem sempre contemplam os dois elementos. Ou seja, os debates
sobre o uso ou não de vinho na Ceia não costuma ser acompanhado por uma
discussão sobre o uso ou não de pão ázimo, mesmo que este seja um elemento tão
importante quanto o outro e, também, estava presente na celebração da Páscoa em
que Jesus instituiu a Ceia cristã.
Parece-nos que a preocupação de muitos evangélicos a
respeito da natureza dos elementos da Ceia é apenas uma disputa sobre o cristão
poder ou não consumir bebidas alcoólicas. Ou seja, o assunto Ceia tornou-se
apenas um “bode expiatório” para o debate sobre outra questão. Por essa razão,
se discute muito sobre o cálice, mas não se fala sobre o pão, mesmo que,
claramente, as igrejas evangélicas não façam uso de um pão de mesma natureza daquele
que fora usado por Jesus na primeira Ceia.
Considerações iniciais
Considerando isso, aquilo que poderia ser uma discussão
pertinente parece ter se tornado um problema por duas razões. Primeiramente,
porque estão se apropriando indevidamente de um assunto tão importante com o
fim de discutir interesses particulares, já que uns querem ter a liberdade de
beber e ficam aborrecidos ao serem julgados por causa disso enquanto outros se
sentem escandalizados com aqueles que querem beber, por considerarem ser pecado
o uso de qualquer bebida alcoólica.
Em segundo lugar, tal discussão, visando interesses
particulares, demonstra falta de conhecimento do que nos diz Paulo em Romanos
14. Esse texto nos servirá tanto para ajudar a encerrar as discussões sobre o
beber quanto para respondermos sobre a natureza do fruto da videira que enche
os cálices da Ceia do Senhor (junto a outros textos que analisaremos). Apesar
de seu extenso tamanho, transcreveremos abaixo parte do texto de Romanos
14.1-23 (suprimindo os versículos 4 a 13) para que possamos sublinha-lo,
ajudando na visualização daquilo que desejamos destacar:
Acolhei ao que é débil na
fé, não, porém, para discutir opiniões. 2 Um crê que de tudo pode comer,
mas o débil come legumes; 3
quem come não despreze o que não come; e o que não come não julgue o que
come, porque Deus o acolheu. [...] 14 Eu sei e estou
persuadido, no Senhor Jesus, de que nenhuma coisa é de si mesma impura, salvo
para aquele que assim a considera; para esse é impura. 15 Se, por causa de comida, o teu
irmão se entristece, já não andas segundo o amor fraternal. Por causa da tua
comida, não faças perecer aquele a favor de quem Cristo morreu. 16 Não seja, pois, vituperado o
vosso bem. 17 Porque o
reino de Deus não é comida nem bebida, mas justiça, e paz, e alegria no
Espírito Santo. 18 Aquele que
deste modo serve a Cristo é agradável a Deus e aprovado pelos homens. 19 Assim, pois, seguimos as coisas
da paz e também as da edificação de uns para com os outros. 20 Não destruas a obra de Deus
por causa da comida. Todas as coisas, na verdade, são limpas, mas é mau
para o homem o comer com escândalo. 21
É bom não comer carne, nem beber vinho, nem fazer qualquer outra
coisa com que teu irmão venha a tropeçar ou se ofender ou se enfraquecer.
22 A fé que tens, tem-na para ti mesmo perante Deus.
Bem-aventurado é aquele que não se condena naquilo que aprova. 23 Mas aquele que tem dúvidas é
condenado se comer, porque o que faz não provém de fé; e tudo o que não provém
de fé é pecado. (Rm.14.1-23)
Nesse texto, Paulo não condena nem defende aqueles que bebem
vinho. Seu propósito é exortar os cristãos a respeito da atitude referente ao
comer (podendo ser aplicado tanto a carne de porco para o judeu quanto a carnes
compradas em mercados pagãos para os gentios – 1 Co.8.13) e ao beber (vinho), porque alguns estavam agindo como se o comer e o beber fossem mais importantes que a relação fraterna entre
os irmãos (Ef.4.1-6) dentro do Reino de Deus. Por isso, o apóstolo frisa que “o reino de Deus não é
comida nem bebida, mas justiça, e paz, e alegria no Espírito Santo”
(Rm.14.17). Ou seja, a comida e a bebida não deveriam dividir a cristandade
como se fossem ídolos, conforme nos disse Paulo em Filipenses 3.19: “o deus
deles é o ventre, e a glória deles está na sua infâmia, visto que só se preocupam
com as coisas terrenas”.
Paulo chama de “débeis na fé” (Rm.14.1) aqueles que
não comiam certos alimentos (seja qual for a razão) nem bebiam bebidas
alcoólicas. Todavia, não os despreza, porque Deus os acolheu, pelos quais Cristo
morreu. Sua fala inicial serve de exortação para ambos os grupos. Ao chamar de
“fracos/enfermos na fé” aqueles que se abstinham, Paulo envergonha quem se
achava espiritual, pois seu verdadeiro “status espiritual” era a “enfermidade
na fé”. Portanto, eles deveriam fortalecer a fé, tanto com a humildade
quanto com o amadurecimento. Nenhum cristão deve se acomodar à imaturidade,
antes deve procurar crescer na fé por meio do constante aprendizado da Palavra
de Deus (Hb.5.11-14) e o ascetismo não era o caminho para o amadurecimento
(1Tm.4.1-5).
Paulo também adverte aqueles que desprezavam os “fracos na
fé”, fazendo uso do imperativo do verbo acolher/receber/levar consigo. Paulo
ordena os irmãos aparentemente mais fortes na fé a mostrarem maturidade
acolhendo aqueles que são “débeis na fé”. O mesmo verbo aparecerá no capítulo
seguinte, na forma de ordenança para todos: “Portanto, acolhei-vos uns aos
outros, como também Cristo nos acolheu para a glória de Deus” (Rm.15.7). Desprezar
os fracos mostra semelhante debilidade na fé, pois Cristo ordenou aos apóstolos
que a igreja siga seu exemplo (Jo.13.34-35) em tudo, sabendo que Ele acolheu os
fracos de seus dias, comendo e bebendo com prostitutas e publicanos (Mt.9.10),
sem desprezar fariseus sinceros como Nicodemos (Jo.3).
A essas divergências de ideias, Paulo chama de pensamentos
próprios/opiniões/reflexões particulares. Portanto, o apóstolo exclui a ideia
de que o comer ou não comer e o beber ou não beber venha como ordenança de
Deus. Cristo não proibiu nem ordenou o uso de qualquer comida ou bebida. Quem
come ou bebe o faz porque entende que pode e quem não come nem bebe se abstém
por convicções pessoais. Deus aboliu os mandamentos relacionados a comidas (At.10.9-16),
mas ordena aos cristãos, aqueles que verdadeiramente creem em Cristo, “que
vos ameis uns aos outros; como eu vos amei a vós, que também vós uns aos outros
vos ameis” (Jo.13.34), “pois aquele que não ama a seu irmão, a quem vê,
não pode amar a Deus, a quem não vê” (1Jo.4.20).
Quem negligencia o amor comete o mesmo pecado encontrado nos
fariseus, a quem Jesus indagou: “Por que transgredis vós também o mandamento
de Deus, por causa da vossa tradição?” (Mt.15.3). Portanto, antes de debater
assuntos diversos relacionados ao viver cristão, primeiro é preciso analisar se
o assunto é uma mera opinião ou se realmente ele fora ordenado pela Palavra do
Senhor. Somente estamos autorizados a discutir com diligência sobre assuntos
que tenham sido ordenados por Deus, que não sejam meras opiniões pessoais sobre
ritos, hábitos, gostos e coisas semelhantes. Caso não façamos isso, seremos
considerados hipócritas, pois quebraremos mandamentos divinos, como o amor, por
causa de orgulho pessoal e interesses particulares (tradições).
Há alguns que empreendem certa tentativa para demonstrar que
o cristão não deveria consumir vinho. Aqueles que procuram fazer tal defesa costumam
argumentar sobre usos diferentes de palavras gregas e hebraicas referentes ao
fruto da videira (hebraico: YAYIN, TIROSH; grego: OINOS, MÉTHYSMA, GLEYKOS).
Não temos o propósito aqui de analisar tais termos. O que podemos dizer é que a
tentativa de provar que Jesus e outros personagens não fizeram uso do vinho é
inútil. Em diversos textos, não é necessário nem mesmo recorrer ao termo grego
ou hebraico, que em sua grande maioria é YAYIN (em hebraico) e OINOS (em
grego), pois basta observar o contexto dele, afinal não podemos esperar que Noé
tenha ficado embriagado com suco de uva (Gn.9.21). nem que Jesus tenha sido
acusado de beberrão (OINOPÓTES) por tomar muito suco de uva (Mt.11.19;
Lc.7.34//Pv.23.20). Devemos lembrar ainda que alguns cristãos de Coríntios estavam se embriagando
na Ceia, o que nos remete inevitavelmente para o vinho, pois muito suco de uva
não provoca tamanho malefício (1Co.11.21). Portanto, recomendo apenas que se observe melhor o sentido semântico
dos termos.
Para Paulo, então, tanto faz comer e beber como não comer e
não beber: “Eu sei e estou persuadido, no Senhor Jesus, de que nenhuma coisa
é de si mesma impura, salvo para aquele que assim a considera; para esse é
impura” (Rm.14.14). E para avançarmos rumo a responder sobre a natureza dos
elementos da Ceia do Senhor, chamamos atenção para o versículo 21 de Romanos
14, onde Paulo nos diz: “É bom não comer carne, nem beber vinho”. Mas,
em que esse texto nos ajudará? A pergunta relevante aqui é: Já que é bom não
beber vinho, como a igreja celebraria a Ceia do Senhor com vinho? Se havia
cristãos que não bebiam vinho, com o que eles celebravam a Ceia do Senhor? E se
Paulo não condena aqueles que não bebem vinho, então qual seria a necessária
natureza do fruto da videira dentro do cálice? Alguns textos nos ajudarão a
desvendar essas questões (Êx.12.1-28; Mt.26.26-30//Mc.14.22-26//Lc.22.7-20; 1
Coríntios 11.17-34; Romanos 14).
Contexto histórico da Ceia do
Senhor
O contexto histórico da Ceia do Senhor é a Páscoa judaica.
Por isso, precisaremos recorrer ao texto de Êxodo 12.1-28, onde Deus nos revela
a ordenança para a celebração da Páscoa judaica. Nesse texto, Deus manda apenas
aquilo que deveria ser comido na Páscoa: Cordeiro e pães asmos com ervas
amargas. Nesse momento, não é nosso objetivo discorrer sobre o fato de que o
Cordeiro Páscoa tinha como propósito apontar para Cristo, o Cordeiro de Deus
que tira o pecado do mundo (Jo.1.29). Para a ocasião, queremos salientar os
elementos da Páscoa.
O cordeiro era o elemento central da Páscoa judaica, pois
seu sangue era o responsável por livrar o povo de Deus da morte decorrente da
passagem do destruidor por toda a terra do Egito. O cordeiro morreria no lugar
de Israel para que Israel fosse liberto do império maligno egípcio. Por isso,
aquele que não passasse o sangue na porta de sua casa, teria o primogênito de
sua família morto. Onde não houvesse o sangue do cordeiro, haveria morte.
Quando Jesus celebrou a primeira Ceia, havia dois cordeiros presentes, um morto
(conforme a ordenança de Êxodo 12) e outro vivo (mas, que haveria de morrer).
Jesus antecipa sua morte por meio da instituição da Ceia, “porque, todas as vezes que comerdes este pão e beberdes
o cálice, anunciais a morte do Senhor, até que ele venha”
(1Co.11.26). E a partir do momento que o Verdadeiro Cordeiro Pascoal morreu
numa cruz (Mt.27.45-54), não foi mais preciso que cordeiros morressem para a
celebração de uma Páscoa.
Contudo, o pão ázimo não deveria ser desmerecido na Páscoa, pois
Deus disse que “qualquer que comer pão levedado será eliminado da
congregação de Israel” (Ex.12.19). Portanto, o pão ázimo também era
fundamental na celebração da Páscoa e não poderia ser negligenciado. Quando
Jesus instituiu a Ceia, estavam presentes os pães asmos como elemento obrigatório.
Foi este pão não levedado que Jesus ergueu, deu graças ao Pai e o partiu
dizendo: “Tomai, comei”, “isto é o meu corpo, que é dado por vós; fazei isto em
memória de mim” (Mt.26.26; 1Co.11.24). O pão ázimo pode ser considerado o mais
puro pão, pois leva apenas trigo e água. Considerando que Jesus disse ser o
“verdadeiro pão” (Jo.6.32) e que o pão da Ceia é um memorial do corpo de
Cristo, então quanto mais puro for este pão, melhor. Logo, o pão ázimo é o
melhor pão para ser comido na Ceia do Senhor, para nos apontar o Corpo de
Cristo moído por nossas transgressões. Todavia, ainda não estamos definindo
qual pão Deus ordenou para a Ceia. Estamos apenas apresentando o contexto
histórico da primeira Ceia.
Mas, onde encontramos o vinho? O vinho pode ser encontrado
em muitos textos do Antigo Testamento, tanto como alimento comum da cultura
judaica (Lv.23.13; Dt.7.13; 14.23) quanto como símbolo de bênçãos (Gn.49.12;
Sl.116.13; Ec.9.7; ) e maldições divinas (Sl.75.8; Jr.25.15,17; Mt.26.42;
Ap.14.8,10). O vinho aparece pela primeira vez após o dilúvio quando Noé, “homem
justo e íntegro” que “andava com Deus” (Gn.6.9), sendo lavrador “passou
a plantar uma vinha. Bebendo do vinho, embriagou-se e se pôs nu dentro de sua
tenda” (Gn.9.20-21). Em seguida, encontramos Melquisedeque, rei de Salém,
uma perfeita figura de Cristo (profeta, sacerdote e rei), conforme nos diz o
autor de Hebreus (Hb.7.1-17). Quando Melquisedeque (para alguns seria o próprio
Cristo) aparece a Abraão, não somente abençoou Abraão, como também “trouxe
pão e vinho” (Gn.14.18) para cear com ele. É digno de nota o fato de que os
elementos da ceia comida por Melquisedeque e Abraão foram o pão e o vinho.
Apesar de o vinho ser comum à cultura judaica, a Palavra de
Deus não deixa de advertir quanto aos efeitos nocivos do álcool mal
administrado. O profeta Oséias adverte que “a sensualidade, o vinho e o
mosto tiram o entendimento” (Os.4.11). Além disso, quando alguém fizesse
voto de Nazireu, consagrando sua vida totalmente ao Senhor, não deveria beber
vinho (Nm.6.2-3). Mas, tentar fazer uma relação da consagração do nazireado com
a vida cristã tem seus problemas, já que o Nazireu não somente deveria se abster
do vinho como, também, de tudo que provinha da videira: “Todos os dias do
seu nazireado não comerá de coisa alguma que se faz da vinha, desde as sementes
até às cascas” (Nm.6.4). Também, quando um sacerdote fosse entrar na tenda
da Congregação (Lv.10.9) não deveria beber vinho. Essas pessoas deveriam estar
completamente lúcidas para servir ao Senhor, dominadas apenas por Deus. Por
essa razão, elas não deveriam estar sob qualquer influência do álcool. De modo
semelhante, Paulo ensina a Timóteo que os presbíteros e diáconos não devem ser
dominados por álcool (1Tm.3.3,8). A Tito, Paulo adverte que as mulheres também
não sejam “escravizadas a muito vinho” (Tt.2.3).
Mesmo estando tão presente nos textos bíblicos, o vinho não
foi ordenado como elemento da Páscoa judaica. Deus não deu ordenança quanto ao
que deveria ser bebido na Páscoa. Os judeus bebiam o vinho por ser a bebida
comum, entendendo que Deus não restringiu a Páscoa ao Cordeiro e ao pão ázimo.
Assim, o vinho acompanhou a Páscoa judaica, provavelmente, desde o primeiro dia
(Dt.14.26). Portanto, mesmo que a Escritura não nos diga o que havia no cálice
de Jesus: vinho ou suco de uva, fazendo apenas uma referência ao “fruto da videira”
(Mt.26.29; Mc.14.25; Lc.22.18), podemos afirmar que havia vinho. O texto de 1
Coríntios 11.21 é de grande ajuda, pois Paulo afirma que os cristãos daquela
cidade, ao celebrarem a Ceia do Senhor, estavam pecando contra Deus pela forma
como comiam e bebiam, pois havia “quem se embriague”. Não deveríamos
supor, imaturamente, que cristãos estavam se embriagando com suco de uva. O
vinho fazia parte da mesa dos cidadãos daquela época e estava, também, presente
na Ceia das igrejas do primeiro século.
Até agora, no entanto, nos dispomos a provar quais os
elementos presentes na Ceia de Jesus. Isso, não necessariamente, significa uma
exigência. Estamos considerando uma descrição narrativa apenas. Queremos,
contudo, saber, também, aquilo que Deus nos ordenou sobre o assunto. Queremos
saber qual deve ser a natureza de cada um dos elementos da Ceia, conforme
ordenança do Senhor. Por isso, no tópico seguinte, nos dedicaremos a analisar a
ordenança explícita do Senhor para a celebração da Ceia nas igrejas.
Ordenança explícita para a Ceia
do Senhor
Para chegarmos a uma compreensão sobre a ordenança da Ceia,
analisaremos quatro textos: Mateus 26.26-30, Marcos 14.22-26, Lucas 22.7-20, e
1 Coríntios 11.17-34. Nos três primeiros textos, os Evangelhos sinóticos, Jesus
e os discípulos estavam comendo a Páscoa quando Cristo tomou um pão para
instituir a Ceia. Os Evangelhos nos contam que era a festa dos “asmos”
(Mt.26.17; Mc.14.12; Lc.22.7), portanto os pães eram ázimos. O termo ázimo
aparece apenas para indicar o evento, mas não aparecerá na qualificação do pão utilizado
por Jesus na ocasião da instituição da Ceia. Os Evangelhos nos dizem apenas que
Jesus tomou um pão, ou por pressupor que o leitor saberia que o pão tomado por
Jesus era, inevitavelmente, ázimo ou para que a indefinição do pão propositadamente
oferecesse aos cristãos um leque maior de opções do que fora dado na ocasião da
ordenança da Páscoa judaica (Ex.12).
Em meio à celebração da Páscoa, surge a ordenança da Ceia.
Jesus mandou que os discípulos tomassem um pão, dessem graças, repartissem e
comessem em memória dele. Ele ordenou (imperativo) dizendo: “fazei isto”
(Lc.22.19). Jesus nos deu detalhes de como deveríamos proceder no rito da Ceia.
Mas, por que Cristo não nos disse qual seria o pão nem se deveria usar vinho ou
suco de uva? Pode parecer que, nos Evangelhos, o óbvio é a presença do
contexto. Deveríamos pensar: já que os pães da Páscoa eram ázimos, então os
pães da Ceia também devem ser ázimos? Mas, e se o fato de Jesus não frisar que
os pães deveriam ser asmos indicasse que o elemento fundamental era um pão. O
mesmo raciocínio pode ser usado para o “fruto da videira” que seria bebido na
Ceia.
Assim, de modo semelhante, a respeito do cálice, os
Evangelhos não nos contam se havia vinho ou suco de uva, apenas que era “fruto
da videira” (Mt.26.29). A ordenança detalhada de Jesus é: tomar do cálice,
dar graças, distribuir e beber em memória dEle. Em 1 Coríntios 11, Paulo nos
diz que Jesus instituiu a Ceia para sua igreja, dizendo: “fazei isto”
(1Co.11.25). Nesse caso, não temos uma ordenança Veterotestamentária sobre a presença
do vinho, pois os muitos textos do Antigo Testamento apenas indicam seu uso
comum; não como elemento ordenado para a Páscoa judaica. Já no Novo Testamento,
encontramos Jesus denominando a si mesmo de “a videira verdadeira”
(Jo.15.1) e ordenando que os discípulos bebessem do cálice com o “fruto da
videira” (Mt.26.29). Então, uma coisa já sabemos: a Ceia deve conter o
fruto da videira.
Em 1 Coríntios 11.17-34, Paulo está ensinado à igreja, de
maioria gentílica, a celebrar corretamente a Ceia do Senhor Jesus. Nessa carta,
Paulo não faz qualquer alusão à festa judaica nem apresenta um contexto
histórico judaico como base para a Ceia, razão para não aparecer o termo ázimo.
Contudo, é interessante observarmos que a palavra ázimo aparece antes,
metaforicamente, para falar sobre a vida dos coríntios (1Co.5.7-8), uma
provável alusão à vida como um culto santo ao Senhor, critério importante para
a aceitação do culto solene oferecido a Deus. Portanto, não podemos dizer que
os Coríntios eram ignorantes do assunto. Além de que, a forma como Paulo faz
uso do termo nos possibilita inferir que os pães da Ceia em Coríntios eram asmos,
também.
Mas, como a igreja de todos os séculos deveria entender o
contexto da Ceia? Seria o contexto parte da ordenança, também? Ou, a igreja
deveria se ater ao que está no imperativo? A ordenança do Senhor Jesus abrange
apenas o uso de um pão e do fruto da videira, mas não especifica se os pães deveriam
ser ázimos como, impreterivelmente, na Páscoa judaica. O mesmo pode ser dito
sobre o cálice, ainda que seja claro o uso do vinho tanto no Antigo quanto no
Novo Testamento. Os imperativos de Cristo enfatizam a atitude dos discípulos
frente aos elementos pão e cálice (com fruto da videira), mas não a confecção
dos elementos, diferentemente da Páscoa judaica em que as ordenanças frisam veementemente
quais seriam os elementos presentes na celebração do rito.
Há cinco imperativos presentes nas narrativas da Ceia do Senhor:
tomai (LABETE), comei (FAGETE), bebei (PIETE), reparti (DIAMERISATE), fazei (POIEITE).
Junto a estes imperativos, aparecem apenas os termos pão (ARTOS), sem qualquer
definição tanto de artigo quanto de adjetivo, e cálice (POTERION), com a especificação
de seu conteúdo: “fruto da videira”. Como se o narrador dissesse: “Jesus
tomou um pão qualquer que estava na mesa e tomou um cálice que tinha algo
derivado da vinha”. Então, com esses dois elementos instituiu um novo ritual: a
Ceia do Senhor. Considerando que Cristo estava instituindo a Ceia para a igreja
de todas as nações e todos os séculos, a ausência de elementos definidores e
qualificadores deve chamar a nossa atenção, junto ao fato de que os imperativos
destacam a forma como os discípulos deveriam proceder, não a natureza dos
elementos pão e fruto da videira.
Como dissemos anteriormente, o texto de Romanos 14.21 nos
ajuda, indiretamente, na solução da questão: o contexto histórico da Ceia faz
parte de sua ordenança? Ou seja, o vinho deve ser impreterivelmente usado na
Ceia? Em Romanos 14.21, Paulo diz: “É bom não comer carne, nem beber vinho,
nem fazer qualquer outra coisa com que teu irmão venha a tropeçar, ou se
ofender ou se enfraquecer”. Portanto, conforme o apóstolo Paulo, se o beber
vinho escandaliza o irmão é melhor não beber (por amor aos mais fracos), a fim
de não conduzi-los ao tropeço. Paulo não faz ressalvas nem abre exceções para a
Ceia como se esse ensino devesse ser aplicado ao viver dos cristãos como um
todo. Logo, a Ceia na igreja em Roma poderia ser feita sem o vinho, apenas com
suco de uva, pois a Ceia visa fortalecer a fé, o amor e a esperança da igreja,
não devendo jamais ser instrumento para fazer os fracos na fé tropeçarem.
Em 1 Coríntios 11.23-24, repetindo a ordenança de Cristo,
Paulo nos diz que o Senhor Jesus tomou “um pão; e, tendo dado graças, o partiu”.
Em grego, não há um elemento definidor nem qualquer qualificador para pão
(ARTOS). Contudo, em seguida, para distinguir o pão comido no dia a dia daquele
que é comido na Ceia, o apóstolo define o termo pão por meio de um artigo e um
pronome, dizendo: “Porque, todas as vezes que comerdes [o] este pão e
beberdes o cálice, anunciais a morte do Senhor, até que ele venha” (1Co.11.26).
Parafraseando Paulo: “Eu recebi do Senhor o que já ensinei para vocês: que na
noite em que Jesus foi traído, Ele tomou um pão, orou a Deus e
repartiu aos discípulos dizendo para fazerem isso em memória dEle. [...] Quando
vocês comem este pão separado para a Ceia e bebem do cálice distribuído
na Ceia, estão anunciando a morte do Senhor até que Ele venha”. Desse modo, Paulo
não se preocupa em definir qual o pão para a Ceia, mas torna especial aquele
pão que tiver sido separado para a Ceia.
Portanto, se você deseja celebrar a Ceia do Senhor usando exatamente
os mesmos elementos utilizados por Cristo, então deverá separar pães asmos e
vinho para a Ceia na igreja local. Mas, se você deseja se ater à ordenança de
Cristo, deverá se preocupar em celebrar o rito da Ceia da mesma forma que Jesus
ensinou, ainda que utilize pão comum e suco de uva. Os elementos da Ceia não
deverão ser motivo de tropeço para os cristãos nem por uso inadequado, como
estava ocorrendo em Coríntios, nem por falta de maturidade no relacionamento
com aqueles que partilham do mesmo pão e do mesmo cálice, como ocorria com a
igreja em Roma. A Ceia nos foi dada para fortalecer nossa fé, conduzindo-nos a
Cristo, o pão da vida e a videira verdadeira.
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