Pages

sábado, 23 de junho de 2018

Ponderações sobre a crítica textual


Desde 1881, a teoria de Westcott e Hort vem sendo utilizada largamente, norteando quase todos os trabalhos na área da crítica textual do Novo Testamento. As duas obras mais conhecidas, Nestlé-Aland 27ª Edição e United Bible Societies (UBS) 4ª Edição, são resultados da aplicação dos pressupostos e postulados de Westcott e Hort na análise dos manuscritos gregos do Novo Testamento. Nestes 130 anos, desde a publicação da obra de Westcott e Hort, The New Testament in the Original Greek, o texto eclético tem desfrutado de significativa hegemonia nos estudos do Novo Testamento. Neste ponto, a crítica textual não parece ter sofrido mudanças significativas, apesar dos muitos manuscritos encontrados e os esforços que defensores do texto Majoritário tenham dispensado para mostrar ao público estudioso do Novo Testamento Grego os sérios problemas existentes na teoria de Westcott e Hort. Como Wallace disse, nestes últimos 125 anos nunca se realizou o primeiro passo da crítica textual proferido por Hort: “O conhecimento de documentos deve preceder o julgamento final sobre as leituras”.

Enquanto alguns manifestos eram realizados entre os adeptos do texto Majoritário e Eclético, surgiu no final do século XX outros oponentes que despertaram a crítica textual. Os pressupostos e postulados céticos postos na mesa por Eldon Epp, David Parker e Bart Ehrman conduziram pessoas ao ceticismo, pela falta de preparo de muitos críticos textuais do Novo Testamento. De acordo com Wallace, o pensamento pós-moderno alterou a crítica do Novo Testamento ao reavaliar a definição do objeto da disciplina e relativizar toda verdade. Os críticos textuais do Novo Testamento foram obrigados a reagir aos ataques de céticos pós-modernos que agora estavam pondo em dúvida a autenticidade dos textos do Novo Testamento em circulação.

Conforme a crítica pós-moderna a preocupação do crítico textual não é mais descobrir o conteúdo dos autógrafos, mas a história da tradição cristã que está revelada nas variantes que não estão ali por acaso, pois escribas a colocaram propositadamente. A crítica, assim, não está preocupada nem com o autor original nem com o conteúdo escrito por esse autor. Conforme Parker, o Espírito ainda está trabalhando nas comunidades cristãs por meio dessas mudanças, e novas compreensões, afinal Escritura e tradição não são coisas distintas. Sua concepção de Escritura é basicamente neo-ortodoxa, para não dizer liberal, por isso, na concepção da crítica pós-moderna, o crítico não deve se preocupar com os autógrafos, pois o Espírito fala ainda hoje deliberadamente dentro da comunidade cristã.

Outro postulado do criticismo pós-moderno é a aplicação da relativização do saber no estudo das variantes. A pós-modernidade relativiza todo conhecimento, valorizando todos os pontos de vista como igualmente válidos. Eles afirmam que se não há 100 % de certeza, então não há certeza nenhuma e tratam os textos do Novo Testamento como duvidosos. Contudo, não praticam a mesma dúvida com muitos textos extra-bíblicos que são citados sem qualquer ressalva. O Novo Testamento possui 1000 vezes mais cópias e as mais antigas se distanciam apenas algumas décadas da conclusão do Novo Testamento. Enquanto isso, textos extra-biblicos possuem pequena quantidade de testemunhas e há distância significativa entre os autógrafos e as primeiras cópias conhecidas. Os critérios não são aplicados indiscriminadamente, pois se o fossem não teríamos história, pois esta é reconstruída a partir de textos antigos que sobreviveram em cópias. O fato positivo despertado por esse postulado, foi a busca por respostas objetivas para todas as questões levantadas pela crítica textual. Além disso, viu-se que os pressupostos teológicos são fundamentais no exercício crítico textual, pois norteia a direção do crítico.

Uma contribuição que a crítica pós-moderna trouxe para a crítica textual do Novo Testamento foi o espírito cooperativo. Enquanto a modernidade valorizava o indivíduo e sua razão, a pós-modernidade investiu no trabalho cooperativo. O século passado testemunhou grandes empreitadas com muitos críticos envolvidos trabalhando num só texto. Críticos de diversos métodos e pressupostos trabalhando juntos para apresentar um texto crítico do Novo Testamento. O início do século XXI testemunhou o fim de diversas disputas e o início da paz e aproximação entre os grupos em prol de um objetivo comum, inclusive entre evangélicos e católicos. Críticos de diferentes métodos e concepções foram unidos como uma grande comunidade com um propósito em comum. Institutos juntaram esforços para reproduzir imagens de alta qualidade dos manuscritos e torná-los acessíveis. Esse foi um grande avanço que tornou possível o acesso aos textos primários, a fim de que estudiosos do mundo todo possam realizar o trabalho crítico.

O movimento pós-moderno da crítica textual contribuiu, despertando críticos evangélicos para a necessidade de trabalhar melhor o texto, no propósito de se conhecer realmente os documentos por meio de novas descobertas que têm acontecido todos os anos. Hoje os estudiosos estão mais atentos às novas descobertas que precisam ser analisadas e catalogadas junto aos demais manuscritos. Esses manuscritos estão se tornando acessíveis por meio da divulgação em fotocópias digitais, como já foi dito acima. Os manuscritos ainda estão sendo agrupados por família, pois apenas parte dos manuscritos do Novo Testamento foram devidamente categorizados. Após agrupados, os manuscritos precisam ser analisados para se conhecer os hábitos dos escribas que os copiaram. Infelizmente, há uma grande carência de estudiosos evangélicos para o trabalho de comparação e análise de manuscritos.

No Brasil, pouco é conhecido sobre os avanços que a manuscritologia do Novo Testamento tem feito. O que se tem de mais atual em circulação no Brasil são as edições críticas do Novo Testamento Grego (NA 27ªEd. e UBS 4ªEd.), usadas conforme aulas de exegese ensinadas em seminário qual folclore brasileiro que nunca muda. Enquanto a edição de 1999, reimpressa em 2011 da Crítica Textual do Novo Testamento de Wilson Paroschi anuncia aproximadamente 5500 manuscritos conhecidos, um artigo de Daniel Wallace publicado em 2009 já traz a informação de que são conhecidos 5760 manuscritos do Novo Testamento. Essa simples comparação demonstra que a crítica textual continua em andamento e os trabalhos não possuem data certa para terminar. Mas, pouco se sabe desse andamento entre os estudiosos brasileiros que pensam que tudo já foi feito na área. Contudo, conforme Wallace afirmou, há muito trabalho a ser feito, mas poucos são os críticos textuais evangélicos realizando esse importante trabalho.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

ANGLADA, Paulo R. B. A teoria de Westcott e Hort e o texto grego do Novo Testamento: um ensaio em manuscritologia Bíblica. São Paulo: Fides Reformata 1/2, 1996

BENÍCIO, Paulo José. Manuscritos Gregos na tradição textual do Novo Testamento. Em: http://www.monergismo.com/textos/idiomas/Manuscritos_gregos_tradicao_benicio.pdf.Acesso em 12 de junho de 2014, às 17h40min.

__________________. O texto Bizantino na tradição manuscrita do Novo Testamento grego. São Paulo: Fides Reformata VIII, nº 2, 2003, p.39-54.

EJENOBO, David T. Textual Criticism: Its Value to New Testament Studies. Asia Journal Of Theology 22, nº 1, April 2008, p. 126-141.

HOLMES, Michael W. Reconstructing the text of the New Testament. In: AUNE, David E. The Blackwell companion to the New Testament. Malaysia: Blackwell Publishing, 2010, p.77-89.

PAROSCHI, Wilson. Crítica Textual do Novo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 1999

PICKERING, Wilbur Norman. Qual o texto original do Novo Testamento. Disponível em: http://www.luz.eti.br/resources/wilburnt.pdf. Acesso em 12 de junho de 2014, às

WALLACE, Daniel B. Challenges in New Testament textual criticism for the twenty-first century. Journal of The Evangelical Theological Society, 52, nº. 1, 2009, p. 79-100.


Nenhum comentário:

Postar um comentário