“Por isso, deixa o homem pai e mãe e se une à
sua mulher, tornando-se os dois uma só carne.” (Gn.2.24)
O assunto está no auge, ainda que o casamento
esteja passando por uma de suas piores crises da história humana. Há diversos
livros tratando sobre o assunto e parece-me que a maioria tem como propósito
adequar a Escritura a esta geração ao invés de conduzir as pessoas ao casamento
conforme a Palavra de Deus. Por conseguinte, o número de divórcios entre
cristãos tem aumentado tão consideravelmente quanto entre aqueles que não são
cristãos.
Por essa razão, nosso propósito aqui não é tirar peso da consciência
de quem pretende se divorciar, mas mostrar qual o verdadeiro ensino bíblico
sobre o casamento e o divórcio, respondendo às perguntas: O que Deus ensina
sobre o casamento? A separação é permitida pela Bíblia? Pessoas separadas podem
casar outra vez? O que fazer para ter um casamento bíblico? Os mandamentos do
Senhor sobre o casamento têm validade para todas as gerações?
Estas e outras questões serão respondidas por meio de uma
teologia bíblica do casamento. Ou seja, desejamos demonstrar o ensino da
Escritura sobre o casamento em cada etapa da história humana: 1) O casamento no
Éden; 2) O casamento antes da Lei; 3) O casamento entre a Lei e Cristo; 4) O
casamento em Cristo; 5) A eternidade e o casamento. Por meio de uma teologia
bíblica do casamento, poderemos compreender melhor os problemas que ocorreram
em cada período e a resposta divina para eles.
O CASAMENTO NO ÉDEN
O casamento é uma bênção divina que aponta para Cristo. O
fato de ser uma bênção é evidente nas primeiras páginas de Gênesis quando o
Senhor cria a mulher como presente gracioso para o homem solitário. Adão havia
recebido do Senhor a missão de cultivar e guardar o jardim (Gn.2.15) e, ainda
no sexto dia da criação, ele começou a exercer sua missão, organizando a criação
ao nomear os animais. O homem estava num paraíso, plantado por Deus, bem
regado, com ouro e pedras preciosas, árvores frutíferas e animais de diversas
espécies (Gn.2.8). No Éden, não havia sofrimento nem fome nem morte. Tudo era
puro e harmônico, tudo era lindo e agradável. Todavia, a beleza e a pureza da criação não foram suficientes para Adão, pois, em meio a todas as maravilhas
criadas pelo Senhor, o homem sentiu falta de uma companhia com a qual pudesse
partilhar todos os encantos da vida gerada por Deus.
Esse vazio do coração do homem pode ser considerado
instrumento para o cumprimento dos planos do Senhor (Pv.21.1). O propósito de
Deus nunca foi ter apenas um homem em meio a toda a criação. O profeta
Malaquias faz menção do casamento como propósito gerador desde o início: “E não
fez Ele somente um, ainda que lhe sobrasse o espírito? E por que somente um? Ele
buscava uma descendência para Deus” (Ml.2.15 ou “descendência de Deus”).
Conforme o profeta, portanto, todos os seres humanos vieram de uma só pessoa,
Adão, porque Deus queria trazer uma descendência especial, na qual todos
estariam ligados. Para os judeus essa descendência é o povo de Israel, mas, para o cristão, conforme o Novo Testamento, a descendência prometida é Cristo
(Gl.3.16,19), no qual todos estamos ligados, tanto pela carne quanto pela fé,
formando um só corpo, o corpo de Cristo (1Co.12.27).
Diante da necessidade sentida por Adão, Deus formou a mulher
a partir da costela do homem (Gn.2.21-22). O poema que Adão pronunciou ao ver a
mulher (Gn.2.23) demonstra sua alegria em ter uma companheira semelhante a ele
com a qual poderia dividir as tarefas, conversar sobre as maravilhas de Deus e formar
um povo santo para o Senhor. O homem foi a fonte primária da mulher, a fim de
indicar sua primazia sobre a mesma, para que lhe estivesse subordinada por
todos os dias (1Co.11.8-9), ao mesmo tempo em que ele teria a responsabilidade
de cuidar daquela que era carne de sua carne e osso de seus ossos (Gn.2.23).
Surge uma relação marcada pelo dever-responsabilidade de ambos em que o homem
teria o dever-responsabilidade de cuidar da mulher e a mulher teria o
dever-responsabilidade de ajudar o homem, sendo-lhe, portanto, submissa em tudo
(Ef.5.24).
Havia uma íntima ligação entre o homem e a mulher, pois esta
fora feita daquele. A forma como o ato criativo de Deus se deu estabeleceu as
características da relação conjugal a partir dos primeiros pais (liderança e
submissão, cuidado e respeito etc.). Todas as vezes que um homem quisesse se unir
a uma mulher, o faria por meio da formação de uma família, deixando pai e mãe e
“tornando-se os dois uma só carne” (Gn.2.24). Esta ultima expressão do
versículo indica a presença de uma aliança pela qual eles estariam ligados por
toda a vida. A aliança seria confirmada por meio do ato sexual que,
curiosamente, possui um elemento comum ao estabelecimento das alianças no
Antigo Testamento: o derramar de sangue. Quando o homem se relaciona, sexualmente,
pela primeira vez, com sua mulher, ele corta o hímen dela, fazendo com que a
mulher derrame sangue em sua primeira relação com o marido. Uma vez que não
havia morte no paraíso, o “lacre” da mulher só seria rompido uma única vez, estabelecendo uma aliança conjugal permanente. A aliança matrimonial, então,
era confirmada por meio do ato sexual que, no derramar de sangue, aponta para
seu caráter vital.
Esse fenômeno nos lembra a forma como as alianças eram
estabelecidas no passado, antes dos contratos de papel, à semelhança do que
ocorreu com Abraão (Gn.15). Os participantes matavam animais, partindo-os ao
meio e colocavam suas bandas uma afastada da outra para que pudessem passar
pelo meio num gesto que significa: assim como esses animais foram partidos,
será aquele que quebrar a aliança aqui estabelecida. Algumas culturas costumam
ferir o corpo (normalmente dedo ou mão), a fim de extrair sangue que será
partilhado com o outro, simbolizando uma aliança de sangue, ou seja, de vida
entre indivíduos (alguns ainda possuem essa prática, hoje). Esses símbolos
apontam para o caráter permanente e irrevogável da palavra (voto) que uma vez
dada não poderia ser desfeita (Js.9.19). As alianças duravam a vida
inteira e, por isso, eram alianças de vida, pois este foi o modelo dado por
Deus a partir da aliança conjugal estabelecida no Éden.
Portanto, no Éden, o casamento duraria para sempre. Enquanto Adão e Eva estivessem vivos (ou seja, enquanto não pecassem trazendo
morte para a criação) eles estariam casados. O casamento não teria fim enquanto
fossem imortais. Para um mundo de pecados, isso pode soar como uma longa
prisão. Mas, devemos lembrar que Adão e Eva eram puros e, portanto, o
relacionamento, também, era puro. Casamento era sinônimo de amizade,
partilha, cumplicidade, auxílio, carinho, cuidado mútuo etc. Dessa forma, ter
um cônjuge significava ter alguém para amar e ser amado por toda a vida,
compartilhando as maravilhas de uma vida no paraíso. Portanto, o que já era
bom, o jardim do Éden, com o casamento ficou ainda melhor.
O casamento cumpriria diversos papéis fundamentais: 1) Veicular
o nascimento do Filho de Deus, conforme plano divino elaborado antes da criação,
a respeito da redenção do homem (Jo.17.24; 1Co.2.7; Ef.1.4; 1Pe.1.20); 2) Promover
auxílio para o bom desempenho das ordenanças dadas por Deus ao homem, de forma
que cultivar e guardar o jardim fosse partilhado por sua companheira; 3) Formar
um povo santo para Deus, constituído de famílias firmadas em aliança, a partir
do fiel relacionamento conjugal entre o homem e sua mulher; 4) Proporcionar uma
relação de comunhão entre seres humanos, a fim de que houvesse mútuo cuidado,
edificação, carinho e auxílio em tudo; 5) Ser uma oficina para o exercício das
virtudes divinas partilhadas pelo homem criado à imagem do Criador. Desses papéis, evidentemente o
primeiro já alcançou seu cumprimento, pois o Filho de Deus já nasceu, morreu,
ressuscitou e subiu aos céus. Porém, os demais papéis permanecem em pleno vigor
até a volta de Jesus, confirmados pelo restante da Escritura, Antigo e Novo
Testamento (Cantares de Salomão, Salmo 127; Salmo 128; Efésios 5.22-31 etc).
A partir do exposto acima, podemos deduzir como era a vida
familiar de Adão e Eva no paraíso. Deus os criara puros, sem pecado, sem
maldade. Portanto, o relacionamento deles adequava-se perfeitamente ao que Deus
havia estipulado. Ou seja, o homem era o cabeça da família e cuidava da mulher
com amor e responsabilidade, tornando a vida de Eva agradável e tranquila, pois
seu marido a amava e provia tudo o que era necessário para que ela tivesse
conforto e direção certa conforme a Palavra de Deus. De forma semelhante, a
mulher cumpria seu papel de ajudar o homem em suas tarefas estipuladas por
Deus, sendo-lhe submissa. Essa submissão tornava a liderança de Adão mais fácil,
pois encontrava em Eva tanto uma companheira de trabalho como, também, uma
subordinada fiel. Logo, não havia discussões, pois ambos cumpriam bem o
papel a eles designados. A harmonia familiar provinha do fiel exercício do
papel de cada um. Assim, eles estariam sempre satisfeitos um com o outro e seus
diálogos santos estariam adornados de gratidão e alegria, focados no Criador
que lhes proporcionava todas as bênçãos e os visitava na viração do dia
(Gn.3.8), a fim de ver como estava aquela família estabelecida em aliança para
toda a vida.
A partir de Gênesis 3, toda a história humana será vivida
debaixo do pecado. Devemos considerar, portanto, quão importante é o texto
narrativo da criação (Gn.1-2), pois nele o Senhor revelou sua vontade perfeita
ao homem (uma aliança matrimonial indissolúvel, estabelecida para toda a vida),
ensinando-lhe o padrão para todas as coisas dentro de um contexto santo e puro.
Dessa forma, o modelo conjugal perfeito para todas as épocas da história humana
encontra-se em Gênesis 2, quando o ambiente possibilitava uma vida plena em
acordo com a revelação divina. Depois da queda, isso não acontecerá, pois o
pecado impossibilitou o homem de viver uma vida plena com Deus. Segue-se,
então, que o povo de Deus sempre será remetido pela Escritura para a narrativa
da criação, como fez Jesus ao dizer: “desde o princípio da criação, Deus os fez
homem e mulher” (Mc.10.6). Esse padrão perfeito estabelecido por Deus permanece
como referencial para o qual todos devem olhar, mas somente em Cristo ele é
restaurado, por meio da capacitação do Espírito Santo que, operando a
santificação na igreja, torna o cristão apto a viver a perfeita vontade de
Deus.
O CASAMENTO ANTES DA
LEI
Tudo estava muito bom até que a mulher deu ouvidos ao
tentador (Gn.3.1-7). Eva quebrou seu dever-responsabilidade de ser submissa ao
marido, agindo de forma contrária às ordens antes estabelecidas por Deus e
ensinadas pelo homem. Observe-se, no entanto, que a infidelidade da mulher ao
seu papel estabelecido por Deus, em sua relação com o homem, não anulou sua
aliança com o marido, pois eles continuam casados. Ao cobiçar a glória de Deus, o homem e a mulher deram
início a uma nova etapa para toda a criação. O pecado entrou no mundo e com ele
a impureza, a desarmonia e o sofrimento. Eles não mais estariam em um paraíso,
onde tudo era puro, inclusive eles, mas em um mundo de “cardos e abrolhos”,
dor e suor, até a morte (Gn.3.18, 16, 19). Essa nova etapa afetou, também, a
relação familiar de Adão e Eva e seus descendentes, pois a partir daquele dia,
o pecado estaria presente no coração tanto do homem quanto da mulher, inclinando-os
a tudo o que é mau. A vontade do Senhor deixou de ser o centro da vida
individual e familiar sendo substituída pela própria vontade (Pv.16.2; Jr.17.9).
Os capítulos 3 a 11 de Gênesis nos contam as consequências
cósmicas da queda. Diversos pecados são cometidos em pouco tempo, exigindo a
intervenção divina diversas vezes (Gn.4.10-16; 6-9; 11.1-9). O primeiro dano
causado pelo pecado ocorreu dentro da família, quando Caim matou seu irmão Abel
(Gn.4.8). Em seguida, Lameque, descendente de Caim, toma para si duas esposas
(Gn.4.19). O coração pecador repudiou o casamento estabelecido por Deus,
criando novas formas de se relacionar com o fim de alcançar a satisfação
pessoal, tentando preencher o vazio do coração sem Deus. O homem passa a
dominar sobre a mulher com tirania, fazendo dela um objeto sexual para
satisfação de seus apetites incontroláveis. Então, os descendentes de Caim se
proliferam desordenadamente reproduzindo gerações sem domínio de si, sem lei,
sem compromisso. Durante certo tempo, os descendentes de Sete, filho de Adão,
conseguem viver uma relação familiar agradável, gerando filhos santos
(Gn.5.21-24; 28-29). Todavia, a força do pecado sobrepôs o santo temor que os
filhos de Deus tinham em seu coração e, sem lei, se deixaram conduzir pelas
paixões do coração pecador (Gn.6.2). A população cresce e os filhos malignos
seduzem os filhos de Deus conduzindo-os a relações familiares pagãs. As
mulheres se rebaixaram ao status de objeto sexual dos homens e estes tomavam
para si tantas quantas podiam sustentar (Gn.6.1-2).
As relações familiares estavam de tal modo deformadas que
Deus decidiu destruir a humanidade. O homem tornou-se um tirano dominando sobre
a mulher para seu próprio benefício, fazendo-a vulgar ou escrava e, portanto,
infeliz. A mulher deixou sua submissão sadia para adotar uma postura máscula ou
escrava. A visão familiar original estava perdida e os filhos aprendiam com
seus pais aquele que seria o comportamento pagão padrão para as gerações e
nações espalhadas pelo mundo. As gerações que tinham o conhecimento de Deus
estavam morrendo e a vontade de Deus revelada para Adão e Eva estava se
perdendo. Não havia lei, não havia regra. Então, o mundo seguiu seus próprios
passos rumo à destruição de tudo, de si mesmo.
A ausência da Palavra de Deus nos dias anteriores a Moisés
trouxe diversos malefícios, pois o enganoso coração do homem o conduzia para
bem longe do Criador. Sem Lei, os jovens aprendiam de seus pais apenas o senso
comum que, em sua grande maioria, era bastante deformado. Algumas gerações
haviam conservado o conhecimento de Deus revelado no Éden, oferecendo para a
posteridade uma educação melhor, mas ainda bastante deficiente. Diante de toda
essa deficiência decorrente da falta de conhecimento do Senhor, a Escritura diz
que “não levou Deus em conta os tempos da ignorância” (At.17.30). Contudo, a
família sofreu muito nesses dias, pois nem o homem nem a mulher sabia viver seu
respectivo papel em acordo com a vontade de Deus revelada no Paraíso.
Pouco podemos falar sobre esse período por falta de
informações, mas conforme a narrativa de Gênesis 4.1-24, aqueles dias foram
imorais, violentos e ambiciosos. As cidades foram construídas para saciar os
desejos do homem e a masculinidade deixou de refletir o caráter de Deus que
criou o homem a sua imagem e semelhança. Quase nada se aproveitava daqueles
dias, a não ser uma família que havia preservado o mandamento do Senhor,
mantendo-se fiel à aliança matrimonial, gerando filhos para Deus (Gn.6.8-10). A
família de Noé manteve o padrão estabelecido por Deus: aliança entre um homem e
uma mulher para toda a vida. Seus filhos foram ensinados da mesma forma, tendo
em seus pais o modelo (Gn.6.18). Cada filho casou com uma mulher, mostrando
que, apesar do caos do mundo, a Palavra do Senhor dada para Adão e Eva
mantinha-se acesa no coração dos filhos de Deus. Ao matar todos os homens,
preservando apenas a família de Noé e seus filhos, Deus reafirmou sua vontade
para o homem acerca dos mandatos originais dados no paraíso. Todas as formas
estranhas de relacionamentos, não previstas por Deus no Éden foram reprovadas pelo
Senhor, quer a poligamia quer o divórcio quer o homossexualismo.
Portanto, sem o conhecimento de Deus, as famílias vivem de
acordo com o coração pecador sem perceberem que o pecado distorce a noção de
certo e errado, bom e ruim, a fim de atender ao desejo mais egoísta do pecador.
Assim, o casamento tornou-se sinônimo de infelicidade, sendo substituído pelo
simples saciar das necessidades sexuais sem qualquer compromisso. O bem-estar
da família clama pela direção divina, necessitando da Lei do Senhor, a fim de
que homem e mulher saibam (cada um) o papel que deve desempenhar para o bem
estar de ambos. Hoje, temos a lei do Senhor e nenhuma tentativa de distorcer o
modelo familiar estabelecido por Deus não pode ser considerada como ignorância
(em níveis gerais), mas rebelde afronta do mundo “anti-Deus” contra o Criador,
com o propósito de saciar os desejos carnais do coração pecador.
Todavia, não podemos negar que algumas pessoas têm cometido
o erro do divórcio por ignorância, tendo em vista que a interpretação correta
dos textos nem sempre é conhecida. Esse fenômeno não justifica o pecado nem o
aprova, mas conduz-nos às misericórdias de Deus que “não levou Deus em conta os
tempos da ignorância” (At.17.30). Ou seja, mesmo que o mundo não tenha mais o argumento de não conhecer a vontade de Deus, o Senhor pode tratar alguns
casos particulares como reais casos de ignorância acerca do pecado (At.3.17; 1Tm.1.13; 1Pe.1.14). Essas
pessoas devem ser tratadas com misericórdia e ensinadas para que procedam
corretamente a partir do verdadeiro conhecimento da vontade divina revelada,
assim como Jesus tratou a mulher samaritana de João 4.15-30.
O CASAMENTO NO
PERÍODO ENTRE A LEI E CRISTO
Após o dilúvio, a sociedade começou a se estruturar outra
vez, tendo como base legal apenas aquilo que fora revelado no Éden e, também, a
Noé após o dilúvio (Gn.2.15-24; 9.1-29). O pouco conteúdo revelado sobre a
vontade do Senhor era suficiente para que o ser humano vivesse pela fé nas
promessas de Deus, agindo de acordo com a vontade do Senhor, construindo
cidades tementes a Deus. Todavia, o homem sentiu falta de mais leis e cada
nação criou suas próprias regras. Dentre elas, estavam estatutos contrários à
Lei do Senhor. A família, então, passou, outra vez, a ser guiada conforme
convenções humanas, criando problemas para o indivíduo e a sociedade, ao
contrariar a Lei primária estabelecida por Deus no Éden.
Quando a Lei foi entregue para Israel (Ex.20), a vida
familiar já estava distorcida. O mundo pagão aderiu a novos costumes e os
espalhou pelo mundo (Gn.29.26-27). Por isso, poligamia, divórcio e
homossexualismo voltaram a ser práticas aceitas pela sociedade. Enganado por
Labão, Jacó se casou com duas jovens irmãs e teve filhos de quatro mulheres
(Gn.29.31-30.24; 35.16-18). Esse mal trouxe diversos prejuízos para a família,
vistos na história de seus filhos (Gn.34-50). Em vez de amor, cuidado,
fidelidade, cumplicidade e partilha, a família viveu dramas profundos que somente
foram vencidos por causa da graça de Deus derramada sobre eles (Gn.45-50). As
experiências sociais clamavam por intervenção divina, de forma que a Lei do
Senhor tornou-se necessária para reconduzir o povo de Deus a uma vida santa em
conformidade com sua santa vontade.
Dá-se início a uma nova etapa para o ser humano. Por meio de
Moisés, Deus entregou sua Lei para Israel, uma herança para toda a humanidade,
a fim de guiar o mundo na justiça (Dt.4.1-9). Todavia, Moisés recebeu do Senhor a
autorização para dar ao povo leis niveladas ao estado em que se encontrava o
ser humano duro de coração (Mt.19.8). Sem o Espírito de Deus para capacitar o
pecador a viver segundo a santidade da Lei do Senhor (Ez.36.26-27), o homem
jamais conseguiria proceder de forma santa e agradável a Deus (Jo.8.43). Esta
Lei escondia em seu coração a profundidade do que Deus queria para seu povo (Ex.20.1-17;
Mt.5-7), mas fora dada com tamanha simplicidade que se adequava à pobre
realidade em que se encontrava o coração do homem.
O primeiro mandamento, dado por Moisés, a fim de reger a
vida conjugal, nos dias de Israel, foi: “Não adulterarás!” (Ex.20.14). A
relação matrimonial deveria ser regida pela fidelidade. Esse mandamento
reafirma a forma original como o casamento foi estabelecido, uma aliança indissolúvel
entre um homem e uma mulher para toda a vida. Contudo, a dureza do coração
humano não foi capaz de entender a dimensão daquilo que Deus estava reafirmando
por meio desse curto mandamento. E por causa dos problemas existentes nas
relações, fruto do pecado no ser humano, as pessoas passaram a desejar a troca
de cônjuge, esperando encontrar alguém melhor para conviver (Dt.22.13). Dessa
forma, o povo ignorava que o problema dos casamentos chamava-se pecado e este
encontrava-se no coração de todos os pecadores, indistintamente.
Foi diante dessa dureza de coração, para compreender a
beleza da vontade do Senhor revelada em seu ato criativo narrado em Gênesis 1-2
(Mc.10.2-9), que Moisés “permitiu” ao povo de Deus o divórcio, com o fim de pôr
ordem na vida social dentro de Israel, para que o pecado não tornasse a nação
em um caos semelhante ao que ocorrera com Sodoma e Gomorra e com os povos que
antes habitaram a terra de Canaã (Dt.12.29-31). Moisés pôs ordem em práticas
comuns, a fim de que as relações familiares não se tornassem mais vulgares do
que já estavam.
No Evangelho de Mateus (o mesmo não acontece em Marcos e
Lucas), Cristo corrige a visão distorcida dos líderes da época, acerca do
casamento (Mt.19.7-8), trocando o termo “mandar” (entéllo) por “permitir” (epitrépo). Após Jesus reafirmar o mandato social inicial
(Mt.19.4-6), dado por Deus ao homem, no sexto dia da criação (Gn.2.21-25), Cristo corrige o termo usado pelo oponente quando este afirmou que
Moisés “mandou” (entéllo) dar carta de divórcio (Mt.19.7), sendo que, na
verdade, Moisés apenas a “permitiu” (epitrépo).
Disseram-lhe eles: Então, por que mandou Moisés dar-lhe carta de divórcio, e repudiá-la?
Respondeu-lhes Jesus: Por causa da dureza do vosso
coração é que Moisés vos permitiu
repudiar vossa mulher; entretanto, não foi assim desde o princípio. (Mt.19.7-8)
Conforme Jesus, o texto de Deuteronômio 24.1-4 não é uma
ordenança ao divórcio, mas uma permissão à prática comum daqueles dias. Parece-nos,
então, que Cristo interpretou os termos usados por Moisés (katav e natan no qal
perfeito com vav consecutivo) como sequências temporais no futuro, não como
ordenanças. No evangelho de Marcos, os oponentes de Jesus confirmam a
interpretação de Cristo dizendo que “Moisés permitiu lavrar carta de divórcio e repudiar” (Mc.10.4). Portanto,
o acréscimo legal dado por Moisés não pretendia servir de ordenança permanente
para o povo de Deus, mas norteou a vida social da nação até a chegada daquele
que capacitaria o povo a viver de acordo com a perfeita vontade de Deus.
Mas, por que não há diversas leis mosaicas sobre o casamento
no sistema legal de Israel? Isso ocorre, porque Deus já havia deixado clara sua
vontade sobre o casamento nos dias de Adão e Eva e esta lei vigoraria para
todas as gerações: uma aliança matrimonial indissolúvel entre um homem e uma
mulher para toda a vida. O acréscimo permitido por Moisés não invalidou a
vontade revelada por Deus anteriormente, mas serviu de nota de rodapé
temporária para um período em que as pessoas não eram capazes de viver a beleza
de uma vida familiar santa e agradável a Deus. As rígidas leis penais para o pecado de adultério funcionavam como confirmação do caráter inquebrável da aliança matrimonial, de modo que só a morte poderia encerrar o casamento: "Se um homem adulterar com a mulher do seu próximo, será morto o adúltero e a adúltera" (Lv.20.10).
Mais adiante, o profeta Malaquias relembrará a ordenança
original do Senhor sobre o casamento, tornando evidente que a permissão dada
por Moisés era circunstancial e temporária, explicitando, assim, o propósito do
Senhor para a relação conjugal, desde o princípio:
13 Ainda
fazeis isto: cobris o altar do SENHOR de lágrimas, de choro e de gemidos, de
sorte que ele já não olha para a oferta, nem a aceita com prazer da vossa
mão.
14 E
perguntais: Por quê? Porque o SENHOR foi testemunha da aliança entre ti e a mulher da tua mocidade, com a qual tu foste
desleal, sendo ela a tua companheira e a
mulher da tua aliança.
15 Não fez
o SENHOR um, mesmo que havendo nele um pouco de espírito? E por que somente um?
Ele buscava a descendência que prometera. Portanto, cuidai de vós mesmos, e ninguém seja infiel para com a mulher da
sua mocidade.
16 Porque o SENHOR, Deus de Israel, diz que odeia o
repúdio e também aquele que cobre de violência as suas vestes, diz o SENHOR
dos Exércitos; portanto, cuidai de vós mesmos e não sejais infiéis.
17
Enfadais o SENHOR com vossas palavras; e ainda dizeis: Em que o enfadamos?
Nisto, que pensais: Qualquer que faz o
mal passa por bom aos olhos do SENHOR, e desses é que ele se agrada; ou:
Onde está o Deus do juízo? (Ml.2.13-17)
Observe-se que Malaquias se dirige ao casamento como relação
singular. O profeta não faz referência a mulheres ou homens, mas a aliança
feita entre um homem e uma mulher, pois essa aliança fora revelada no Éden e
tinha caráter permanente. O termo aliança carrega em si todos os ensinamentos
revelados por meio das alianças divinas feitas com a criação, desde o Éden:
solenidade, permanência, santidade e bênçãos. O divórcio, portanto, era mal aos
olhos do Senhor, pois este “odeia o repúdio”, ou seja, o divórcio. O versículo
16 parece ser um trocadilho com Deuteronômio 24.3 que diz: “se este último
odiar [a mulher] e escrever carta de divórcio”, então o Senhor diz: “eu odeio a
carta de divórcio [que é dado para a mulher]”. Portanto, enquanto um cônjuge se
aborrecia do outro e lhe dava carta de divórcio, Deus se aborrecia da prática
de dar carta de divórcio ao cônjuge, pois sua vontade sempre foi a preservação
da aliança matrimonial por toda a vida.
Malaquias fez parte de uma importante sequência de profetas
que prepararam o povo de Israel para a chegada dos dias neotestamentários. O
povo precisava ser purificado em diversos aspectos da vida pessoal e social,
dentre estes o casamento, e esta purificação seria completada nos dias próximos
ao ministério de Jesus quando João Batista, o último profeta
veterotestamentário prepararia “o caminho do Senhor” (Is.40.3). Quando Cristo
viesse, ele confirmaria a Lei do Senhor (Mt.5.17), trazendo um novo e
importante elemento para o povo de Deus: a regeneração (Jo.3.5), ou seja, a
capacidade de viver a nova vida que o Filho de Deus traria para todo aquele que
nEle cresse (Gl.2.20).
O CASAMENTO EM CRISTO
Finalmente, o restaurador (Sl.14.7; At.3.21) de todas as
coisas foi enviado da parte de Deus (Jo.6.29). Aqueles que haviam sido
convidados ao arrependimento por João Batista, são ensinados a viver a nova
vida do Reino de Deus por meio da pregação de Cristo. Jesus, então, oferece a
perfeita interpretação dos textos bíblicos, ensinando a seu povo a perfeita
vontade de Deus. O primeiro texto referente ao casamento aparece em Mateus
5.27-32:
27 Ouvistes
que foi dito: Não adulterarás. 28 Eu, porém, vos digo: qualquer que olhar para uma mulher com
intenção impura, no coração, já adulterou com ela. 29 Se o teu
olho direito te faz tropeçar, arranca-o e lança-o de ti; pois te convém que se
perca um dos teus membros, e não seja todo o teu corpo lançado no inferno. 30
E, se a tua mão direita te faz tropeçar, corta-a e lança-a de ti; pois te
convém que se perca um dos teus membros, e não vá todo o teu corpo para o
inferno. 31 Também foi dito: Aquele que repudiar sua mulher, dê-lhe
carta de divórcio. 32 Eu,
porém, vos digo: qualquer que repudiar sua mulher, exceto em caso de relações
sexuais ilícitas, a expõe a tornar-se adúltera; e aquele que casar com a
repudiada comete adultério. (Mt.5.27-32)
Jesus aplica o mandamento: “Não adulterarás” ao interior e
exterior do homem. O mandamento, portanto, exige mais que uma conduta, exige uma
disposição do coração, também; o que somente é possível por meio do operar do
Espírito Santo no coração do pecador (Ez.11.19-20). Jesus ensina, ao povo, que a
aliança matrimonial exige fidelidade completa, portanto qualquer desvio do
olhar (impuro) para alguém fora do casamento se constitui em pecado de
adultério (interior), à semelhança daqueles que, cobiçando, praticam a relação
sexual (exterior). Todavia, o adultério praticado no coração não se constitui
em razão para que a aliança conjugal seja quebrada. Caso o adultério fosse
razão para que o casamento fosse desfeito, então todas as vezes que alguém
olhasse “com intenção impura no coração” estaria dando razão para o cônjuge solicitar
a separação.
Em seguida, Jesus reafirma a impossibilidade de se desfazer
o casamento (Mt.5.32). Moisés havia permitido a carta de divórcio e os anciãos tornaram a
permissão num mandamento. Cristo, então, rejeita a tradição dos anciãos,
repudiando completamente o divórcio. Surge no meio da fala de Jesus, uma
cláusula parentética: “exceto em caso de relações sexuais ilícitas” (Mt.5.32; 19.9). Essa
expressão parece nos conduzir para a possibilidade de haver divórcio
justificado. Todavia, apresento aqui a explicação de alguns estudiosos, nas
palavras de John Piper, sobre o significado da expressão parentética:
A próxima pista de minha busca por uma explicação veio
quando estudei sobre o uso de porneia em João 8.41, em que os líderes judeus
indiretamente acusam Jesus de ser nascido de porneia. Em outras palavras, uma
vez que eles não aceitavam o nascimento virginal, assumem que Maria havia
cometido fornicação, e Jesus era resultado deste ato. Com base nesta pista, eu
voltei para estudar o registro de Mateus do nascimento de Jesus em Mateus
1.18-20. Isto foi extremamente elucidador. Nesses versos, José e Maria são
referidos como marido (aner) e esposa (gunaika). Ainda assim, eles são
descritos como noivos somente. Isto provavelmente vem do fato de que as
palavras para marido e esposa eram simplesmente homem e mulher, e do fato de
que o noivado era um comprometimento muito mais significante do que é hoje. No
verso 19, José resolve “divorciar-se” de Maria. A palavra para “deixá-la” é a
mesma palavra de Mateus 5.32 e 19.9. Mas, mais importante que tudo, Mateus diz
que José foi “justo” ao tomar a decisão de divorciar-se de Maria, presumivelmente
por causa de porneia, fornicação.
Portanto, enquanto Mateus procede em construir a
narrativa de seu Evangelho, ele encontra-se no capítulo 5 e depois no capítulo
19 precisando proibir todo casamento pós-divórcio (como ensinado por Jesus) e
ainda permitir “divórcios” como aquele que José considerou como possibilidade,
por pensar que sua noiva era culpada de fornicação (porneia). Assim, Mateus
inclui a cláusula de exceção em particular para exonerar José, mas também no
geral para apresentar que o tipo de “divórcio” que alguém talvez procure
durante um noivado por causa de fornicação não está incluído na proibição
absoluta de Jesus. (John Piper)
Essa interpretação coaduna-se bem com os versículos
anteriores, em que o adultério no pensamento e no coração não autorizam o
divórcio, e com os Sinóticos (Mc.10.2-12; Lc.16.18) onde não aparece a cláusula
parentética de Mateus. Portanto, o divórcio é repudiado por Jesus mesmo em caso
de traição e o novo casamento é proibido mesmo em caso de adultério, pois o
propósito original de Deus para o casamento se mantém firme desde sua origem
até a volta de Jesus: uma aliança matrimonial indissolúvel, estabelecida para
toda a vida.
Todavia, Jesus não ignora as dificuldades existentes dentro
do casamento, tendo em vista a natureza pecadora do ser humano. Quando abordado
pelos discípulos sobre a difícil condição de se estar obrigado a permanecer
casado por toda a vida (Mt.19.10), Cristo diz que “nem todos são aptos para
receber este conceito, mas apenas aqueles a quem é dado” (Mt.19.11).
Convém-nos, então, perguntar: seria apenas esse o mandamento impossível de ser
plenamente cumprido pelo homem sem Cristo? Israel havia experimentado a
impossibilidade do homem, sem o Espírito Santo, obedecer aos mandamentos do
Senhor, durante toda sua história. Mesmo tendo os mandamentos de Deus, a nação
vivera aproximadamente 1400 anos pecando contra o Senhor, pois lhes faltava o
“Espírito da Verdade” responsável por guiar o pecador a toda Verdade, habitando
no homem e testificando de Cristo pela Escritura (Jo.16.13; 14.17; 15.26; Ez.36.26-27).
Por isso, Cristo afirma: “Para os homens é impossível; contudo, não para Deus,
porque para Deus tudo é possível” (Mc.10.27). Dessa forma, somente aqueles que
têm o Espírito de Deus estão aptos a viver toda a vontade do Senhor, incluindo
os mandamentos relacionados ao casamento.
Portanto, a solução para o casamento é a conversão, pois por
meio dela o pecador tem nova vida promovida pela Escritura e pelo Espírito de
Deus (Jo.3.1-7; 4.23-24). Paulo aplicará esse conceito em suas cartas para as
igrejas, pois “se alguém está em Cristo, é nova criatura; as coisas antigas já
passaram; eis que se fizeram novas” (2Co.5.17). Por meio do Espírito do Senhor,
o pecador recebe a capacidade para viver uma vida em plena conformidade com a
santidade de Deus revelada na Escritura Sagrada, pois “o fruto do Espírito é:
amor, alegria, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão,
domínio próprio” (Gl.5.22-23), de forma que “como recebestes Cristo Jesus, o
Senhor, assim andai nele” (Cl.2.6).
A nova vida promovida pelo Espírito Santo e pela Palavra de Deus
proporciona ao ser humano a capacidade de resistir às tentações (Tg.4.7) e
viver uma vida agradável a Cristo. Somente assim, o casamento dura a vida toda,
apesar das lutas presentes no caminho. Com um coração novo, a conduta do homem
e da mulher é adornada de pureza, para que expresse a beleza da santidade de
Cristo (2Co.3.18; Ef.5.22-31), servindo de testemunho para cristãos e não cristãos
(1Pe.3.1-7). Por meio desse novo viver a vida conjugal torna-se agradável e os
cônjuges revestem-se de força para resistir às intempéries da vida. Dessa
forma, a resposta para os pecados cometidos no casamento não é o divórcio, mas
a nova vida em Cristo e o poder do Espírito Santo que nos capacita a vencer
toda “concupiscência da carne” (Gl.5.16). Essa é a resposta dada pelo Novo
Testamento para a perplexidade dos discípulos frente a não permissão divina
para o divórcio e novo casamento (Mt.19.10).
Reafirmando o caráter vitalício da aliança matrimonial,
Paulo exorta o homem e a mulher a viverem a relação conjugal conforme Deus a
instituiu, ou seja: a mulher deveria ser submissa ao marido e o marido deveria
ser um bom líder, cuidando da esposa em amor (Cl.3.18-19). Essas afirmações de
Paulo não eram novidades, pois Moisés já havia revelado o mandato social dado
pelo Senhor no paraíso (Gn.2.18-25). Todavia, Paulo acrescenta uma importante
informação: o casamento representa a relação entre Cristo e sua igreja
(Ef.5.22-31), indissolúvel. Então, para que os cônjuges desfrutem de uma vida
conjugal plena, é necessário que cada um assuma seu papel à semelhança de
Cristo e da igreja. Ou seja, para que o homem saiba agir como verdadeiro
esposo, ele precisará olhar para Cristo e copiar seu fiel, amável e zeloso
tratamento para com a igreja (Ef.5.25-28). De forma semelhante, para a mulher
agir de forma agradável a Deus e ao marido, ela deverá lembrar-se do papel da
igreja que em tudo deve ser submissa, obediente e respeitosa para com Jesus, o
Senhor da igreja (Ef.5.22-24). Por meio dessa analogia entre o relacionamento
conjugal e o relacionamento entre Cristo e a igreja, a indissolubilidade do casamento
é mais uma vez confirmada, pois mesmo quando “somos infiéis, ele permanece
fiel, pois de maneira nenhuma pode negar-se a si mesmo” (2Tm.2.13).
Resta-nos analisar um texto de Paulo: 1 Coríntios 7.1-40.
Esse capítulo inteiro trata sobre o casamento, mas é direcionado a várias
questões particulares diferentes. Primeiramente, Paulo deixa claro que o
casamento não é obrigatório e a depender do contexto em que vive o cristão
(perseguição, por exemplo) é melhor estar solteiro do que casado (1Co.7.1,7-8).
Mas, uma vez casados, os cônjuges devem observar os mandamentos do Senhor. O
primeiro deles é a necessidade de cuidarem um do outro por meio da satisfação
sexual, a fim de se protegerem contra as ameaças de um mundo de impurezas
(1Co.7.2-6). O segundo mandamento aos casados é a preservação do casamento: o
marido não deve se separar da mulher nem a esposa do homem (1Co.7.10).
Todavia, alguns cristãos, casados com pessoas ímpias estavam
passando por lutas dentro do casamento enquanto outros estavam sendo abandonados.
Diante disso, Paulo dá ordenanças adequadas a cada necessidade. Então, a
separação aparece como opção possível, diante de desafios considerados
intransponíveis. Porém, a separação não seria sinônima de divórcio, ou seja,
mesmo separados os cônjuges ainda estariam ligados um ao outro, pois a
distância não invalidaria a aliança matrimonial estabelecida para toda a vida
(1Co.7.11). O mesmo seria válido para casamentos entre cristãos e não cristãos
(1Co.7.12-13). Por essa razão, os cristãos deveriam pensar muito bem antes de
se separarem, pois não poderiam unir-se a mais ninguém enquanto a morte não
desfizesse a aliança um dia firmada entre eles (Rm.7.3): "se, porém, ela vier a separar-se, que não se case ou que se reconcilie com seu marido" (1Co.7.11).
Mas, caso o descrente, por seu coração endurecido, se
mantivesse irredutível, o cristão não deveria se preocupar ou desesperar: Deus
o havia chamado para a paz, pois mesmo ainda ligados (dédetai) por meio da
aliança matrimonial indissolúvel (Rm.7.2), o cristão não estaria mais na
condição de escravo (dedúlontai) de uma relação sofrível (1Co.7.15-16). E tendo
Deus chamado o cristão para a paz, daria ao mesmo a capacidade para ser fiel
por toda sua vida, mantendo-se firme na condição que lhe fora dada (1Co.7.17),
suportando a condição de alguém vivendo sozinho, mas ao mesmo tempo ligado
àquele com quem havia casado, como fez a profetiza Ana que viverá apenas sete anos com seu marido e "era viúva de oitenta e quatro anos" (Lc.2.36-37).
Em seguida, Paulo reafirma seu desejo de que o cristão viva
uma vida dedicada exclusivamente para Deus (1Co.7.32-34), sem, contudo, proibir o
casamento. Paulo tem diante de si três públicos distintos: os casados, os
solteiros e os viúvos. Para cada grupo, há uma ordenança apropriada: 1) Os
casados não deveriam procurar separar-se (1Co.7.27a); 2) Os solteiros não
deveriam procurar o casamento como se fosse uma necessidade (1Co.7.27b,37); 3)
Mas, se os solteiros não conseguissem se dominar, então deveriam se casar no
Senhor (1Co.7.9,28,36); 4) E, de forma semelhante, aqueles que eram viúvos
tanto poderiam manter-se livres (sozinhos) quanto poderiam casar, pois uma vez
morto o cônjuge, estariam livres para casar outra vez (1Co.7.39-40). Portanto,
tanto os solteiros quanto os viúvos podem casar, caso desejem, mas o apóstolo
considera melhor que se mantenham livres. Quer solteiros (livres) quer casados
(ligados), todos devem viver de acordo com a Palavra de Deus, de forma que os
casados não podem divorciar-se nem casar outra vez, e os solteiros (incluindo
as viúvas) só podem casar no Senhor (1Co.7.39).
Portanto, de acordo com o Novo Testamento, o mandamento
original de Deus sempre esteve em vigor e, por meio de Jesus, o cristão recebe
a capacitação para viver a vontade do Senhor. Essa capacidade de viver o
relacionamento conjugal com inteireza de coração faz parte da restauração
operada por Cristo no ser humano. São essas pessoas capacitadas por Deus que
cumprem os mandamentos do Senhor, mesmo que muitas vezes falhem. São elas que
herdarão a vida eterna, pois amaram mais a Deus do que a própria vontade
(Mt.16.24-25) e, pelo poder do Espírito e da Palavra de Deus resistem às tentações
do mundo (Gl.5.16). Se caírem em algum pecado, não ficam prostradas, pois Deus as
ergue (Sl.37.24). E mesmo diante dos mais fortes desejos do coração, encontram
no Espírito Santo o poder necessário para vencer as inclinações da carne, a fim
de que se mostrem fiéis filhos de Deus (Fp.4.13).
A ETERNIDADE E O
CASAMENTO
Na ocasião da volta de Cristo, o casamento terá cumprido
todos os propósitos divinos, mencionados anteriormente: 1) Veicular o
nascimento do Filho de Deus; 2) Promover auxílio para o bom desempenho das
ordenanças dadas por Deus ao homem, de forma que cultivar e guardar o jardim
fosse partilhado por sua companheira; 3) Formar um povo santo para Deus,
constituído de famílias firmadas em aliança, a partir do fiel relacionamento
conjugal entre o homem e sua mulher; 4) Proporcionar uma relação de comunhão
entre seres humanos, a fim de que houvesse mútuo cuidado, edificação, carinho e
auxílio em tudo; 5) Ser uma oficina para o exercício das virtudes divinas
partilhadas pelo homem.
Na eternidade, o casamento será visto na relação da igreja
com Cristo (Ef.5.32), pois não haverá mais relação conjugal no Reino de Deus
(Mt.22.30). Naquele dia, haverá um grande povo santo que fora gerado no
decorrer das gerações. Seus concidadãos são chamados de irmãos, pois são partes
de uma mesma família chamada de “família de Deus” (Ef.2.19). A aliança dentro
dessa família durará para sempre e será perfeita. Como uma grande família,
todos partilharão do amor, bondade, paciência, benignidade, contentamento,
mansidão, cuidado mútuo etc. Uma aliança estabelecida por Cristo regerá todo o
povo de Deus, aliança que não poderá ser quebrada por nada nem ninguém, assim
como o casamento ordenado pelo Senhor.
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