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quarta-feira, 23 de agosto de 2017

Onde está sua esperança?

porque, onde está o teu tesouro, aí estará também o teu coração.” (Mt.6.21)

“- Não precisamos desejar que Jesus volte logo. A vida é bonita e boa; é uma benção de Deus para nós”.

Lembro-me bem destas palavras ditas antes de começar uma reunião do conselho há, aproximadamente, 11 anos atrás. A vida deles estava boa, em todos os aspectos (saúde, família, trabalho etc) e, sem perceber, se deixaram levar pelo conforto de uma vida bem sucedida e feliz. Algum tempo depois, Deus os abençoou com diversos problemas que possibilitariam, por meio de uma reflexão na Palavra de Deus, uma autoanálise, a fim de que voltassem os olhos para Cristo, aquele que deve ser alvo de todo o anseio da igreja.

A reforma protestante resgatou algo importante em seus dias: a dignidade da vida humana, tendo em vista a imagem de Deus no homem. Naqueles dias, o cristianismo estava com seus olhos focados apenas na vida pós-morte e, por isso, negligenciava o tempo presente, ignorando a necessidade de uma vida santa e agradável a Deus. Sua teologia estava mais platônica e aristotélica do que bíblica e o pecado tomou conta desde o cristão mais simples, de vida campestre, ao luxuoso clero, liderança absoluta da cristandade nos dias da reforma protestante.

Mas, o propósito da reforma não era substituir o olhar direcionado à vida futura, esperança do novo céu e nova terra (Ap.21.1-7), por um olhar focado na vida presente. O objetivo dos grandes homens do passado foi reavivar um olhar, há algum tempo perdido, para a necessidade de se viver de modo digno do Reino de Deus, já presente no mundo (Mt.12.28; Lc.17.21). Desta forma, os reformadores e puritanos trouxeram à tona a vida cristã holística ensinada desde Gênesis até Apocalipse, vida que glorifica a Deus com “todo coração, toda alma, toda força e todo entendimento” (Mc.12.30), por ansiar profundamente a volta de Cristo. E quanto maior era o desejo pela volta de Jesus maior a dedicação na busca por uma vida de santificação e dedicação na obra missionária, reflexo da obra redentora operada por Cristo através do Espírito e Palavra de Deus.

Nossos dias testemunham outro desvio do olhar da cristandade: um olhar para o mundo presente, somente. Igrejas cheias não tem sido sinônimo de conversões movidas pela Escritura e Espírito de Deus. A felicidade familiar, financeira, trabalhista etc. tornou-se sinônimo de vida abençoada por Deus e o sofrimento foi relegado ao status de consequência do pecado ou investida do diabo. Parece que estamos revivendo o livro de Jó, motivados pelos amigos dele a entender que Deus está presente na boa vida. Por essa razão, muitas pessoas enchem igrejas de todas as denominações esperando que, em ser cristão, alcancem uma vida boa e agradável enquanto aquelas que sofrem, sentem-se não amadas por Jesus e entram em crise.

Ao alimentarem essa busca, os líderes presentes estão atraindo angústias ao coração do povo, fazendo com que os cristãos esperem sempre algo da parte de Deus para a vida presente. Estão levando pessoas para uma denominação, mas não estão conduzindo pecadores para a vida eterna. Ao tirar o foco da vida eterna, prometida pelo Senhor, alimenta-se falsas esperanças não prometidas por Deus, fazendo com que cristãos se acomodem a uma vida boa ou sofram demasiadamente diante de tribulações, na expectativa de verem a vida melhorar. Sofrer por Cristo, então, deixa de ser uma graça divina e torna-se uma maldição.

Portanto, estão alimentando uma esperança passageira e incerta: a esperança em dias melhores. As pessoas esperam, ansiosamente, que Deus lhes abençoe a família, a saúde, o trabalho, os estudos, os sonhos etc. Quando vem o sofrimento, elas ouvem de seus pastores: “- Você pode não entender seu sofrimento hoje, mas vai entendê-lo amanhã”. Ou afirmam, com certeza: “- Todo sofrimento vai passar e você vai dar a volta por cima”. Então, os cristãos passam a aguardar mudanças na vida, providenciadas pelo Senhor, para tirá-los das tribulações, sem que Deus tenha prometido tais coisas. Desta forma, a esperança dos cristãos é posta sobre a vida presente, tantas vezes frustrada por circunstâncias irreversíveis.

Ao confortar cristãos com tais palavras, estão se esquecendo daqueles que sofreram e morreram por Cristo. Muitos cristãos (profetas, apóstolos e diversos homens e mulheres de Deus) não alcançaram livramentos presentes, pois foram abençoados com algo maior: “porque vos foi concedida a graça de padecerdes por Cristo e não somente de crerdes nele” (Fp.1.29). Os maiores homens que o mundo já viu receberam uma jornada sofrida, mas tinham em seu coração a alegria da salvação, vivendo seus dias pela esperança da vida eterna. Deus não mudou a vida deles, não lhes deu bonança presente, contudo agraciou cada um deles com a incomparável vida eterna. Eles foram recebidos por Cristo, não com frustração, mas com plena alegria, pois a esperança deles não se encontrava sobre cura, família, trabalho, dinheiro ou outra coisa qualquer, mas em Cristo que vive e reina para sempre.

Por essa razão, esses cristãos puderam dizer: “Pelo que sinto prazer nas fraquezas, nas injúrias, nas necessidades, nas perseguições, nas angústias, por amor de Cristo. Porque, quando sou fraco, então, é que sou forte” (2Co.12.10). Eles sentiam plena alegria “por serem considerados dignos de sofrer afrontas” por amor ao nome de Jesus (At.5.41). Quando presos, louvavam a Deus, alimentando no coração a esperança da vida eterna prometida por Cristo (At.16.25). E quando o Senhor lhes corrigia, exortava ou negava-lhes alguma coisa, agradeciam a Deus por tratar-lhes como filhos amados, recebendo a resposta divina de boa vontade (2Co.12.9; Hb.12.4-13).

Se a esperança dos cristãos dos primeiros séculos estivesse nesta vida, eles teriam sido frustrados, pois, por pior que fosse a vida, a perseguição e o sofrimento, as coisas não melhoraram. Ao contrário, Deus se agradou de dar-lhes a graça de sofrer por Cristo e morrer por Ele. Os apóstolos, e, posteriormente, os pastores não alimentaram a fé dos cristãos com promessas de bonanças e bem-estar, mas com a certeza da vida eterna (1Ts.4.13-18). Por essa razão, mesmo vendo os filhos serem mortos de formas as mais cruéis, pais e mães não abandonavam a fé, antes, morriam, também, dizendo: Glórias a Deus por ter-nos dado filhos dignos de morrerem por Cristo.

O verdadeiro conforto proveniente da Palavra de Deus é a esperança da vida eterna, concedida por meio de Cristo Jesus. Foi esse o consolo que o Senhor deu aos que clamavam por justiça em meio à grande tribulação. Com a abertura do quinto selo, João teve uma visão em que cristãos, nas regiões celestiais, clamavam por justiça (Ap.6.9-11). Mas, em vez de promessas de livramentos ou mesmo vingança, “a cada um deles foi dada uma vestidura branca, e lhes disseram que repousassem ainda por pouco tempo, até que também se completasse o número dos seus conservos e seus irmãos que iam ser mortos como igualmente eles foram” (Ap.6.11). A igreja foi conclamada a repousar em Cristo, esperando a volta de seu amado noivo, Jesus.

Infelizmente, mesmo sem perceberem, deixaram que o “espírito da teologia da prosperidade” pairasse sobre os corações dos cristãos em ambientes pentecostais, evangelicais e, também, “reformados”. Diversas marcas presentes nas igrejas apontam para a presença da ideologia do “aqui e agora”: as pregações são engraçadas para atrair o público, pois a fidelidade à Escritura parece não ser suficiente; a santificação é associada às bênçãos presentes, não à esperança da glória futura; as pessoas são confortadas com promessas de melhoria de vida, pois ninguém suporta a ideai de sofrer por Cristo; a história redentora que aponta para a vida eterna em Jesus foi substituída pelo moralismo cristão relacionado apenas a uma bonita vida social. A alegria do cristão, então, tornou-se diretamente proporcional ao bem-estar da vida e a esperança foi reduzida ao sonho de uma vida próspera, sem problemas.

Querido cristão, não se deixe levar pela tentativa de proporcionar uma vida confortável para você. Lembre-se que mais bem-aventurados são os que padecem por serem cristãos do que aqueles que desfrutam de uma vida abundante. Isso não significa que a salvação vem pelo sofrer, pois somente Cristo pode salvar, graciosamente, o pecador por meio de seu sangue. Mas, o sofrer, por Jesus, guarda, também, recompensas prenunciadas por Cristo:

Bem-aventurados os perseguidos por causa da justiça, porque deles é o reino dos céus. Bem-aventurados sois quando, por minha causa, vos injuriarem, e vos perseguirem, e, mentindo, disserem todo mal contra vós. Regozijai-vos e exultai, porque é grande o vosso galardão nos céus; pois assim perseguiram aos profetas que viveram antes de vós (Mt.5.10-12).

Além disso, as angústias fortalecem a esperança do coração, como diz Paulo: “também nos gloriamos nas próprias tribulações, sabendo que a tribulação produz perseverança; e a perseverança, experiência; e a experiência, esperança” (Rm.5.3-4). Então, caso o Senhor abençoe sua vida com o sofrimento, alegre-se olhando para Cristo que, também, sofreu por nós e, assim, fortaleça, pela Palavra e Espírito, sua esperança da vida eterna, pois é para lá que Jesus está nos levando.

Por fim, lembramos aos cristãos de nossos dias, o grande testemunho que homens e mulheres de Deus, do passado, deixaram para nós, porque tinham os olhos fitos na eternidade. Os reformadores estavam atentos a Cristo e, por isso, não tinham medo de confrontar a liderança da época, por meio do fiel ensino da Escritura Sagrada. Eles não tinham medo de sofrer nem se frustraram quando foram atribulados, pois a esperança deles estava totalmente depositada em Cristo. E, diante da perseguição levantada contra eles, cantavam à semelhança de Lutero:

De Deus o Verbo ficará,
Sabemos com certeza,
E nada nos assustará
Com Cristo por defesa!
Se temos de perder
Família, bens, prazer,
Se tudo se acabar
E a morte enfim chegar,
Com ele reinaremos!
(Hino 155: Castelo Forte – M. Lutero – J. E. Von Hafe)


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