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terça-feira, 29 de agosto de 2017

O querer de Deus e Seu projeto redentor (1Tm.2.4)

o qual deseja que todos os homens sejam salvos e cheguem ao pleno conhecimento da verdade” (1Tm.2.4)

A carta de Paulo a Timóteo é composta por diversas instruções acerca do procedimento de um pastor na condução da igreja, a fim de torná-la agradável a Deus em todo seu modo de vida (1Tm.3.14-16), preparando-a para o futuro quando Cristo se manifestará ao mundo (1Tm.6.11-16). Conforme o apóstolo, Deus deseja que a igreja viva de modo santo e justo no tempo presente, sabendo que o Senhor reservou perfeita vida futura para seu povo (1Tm.6.17-19). Esses ensinos deveriam ser transmitidos à igreja (1Tm.5.3-16) e aos futuros pastores (1Tm.3.1-13) para que tanto um quanto o outro exercitassem a justiça segundo a sã doutrina, fugindo dos maus ensinamentos e conduta (1Tm.4.6-16), a fim de que a Verdade fosse manifesta pela igreja, “coluna e baluarte da Verdade” (1Tm.3.15).

A primeira instrução do apóstolo (1Tm.2.1-8) diz respeito à prática constante da oração em favor de todas as pessoas, a fim de que os cristãos vivessem“vida tranquila e mansa, com toda piedade e respeito” (1Tm.2.2). A ausência de justiça na sociedade não é algo bom e a igreja sofre com isso. Mas, os cristãos não deveriam seguir o modelo hostil do mundo, participando ou estimulando o envolvimento em confusões sociais. Paulo ensina que a forma bíblica para melhorar o ambiente social é orando ao Senhor enquanto prega o Evangelho e vive de acordo com a sã doutrina, na certeza de que Deus almeja que a igreja viva uma vida agradável, sendo poderoso para intervir na sociedade, pois “como ribeiros de águas assim é o coração do rei na mão do SENHOR; este, segundo o seu querer, o inclina” (Pv.21.1).

O texto de 1 Timóteo 2.1-8 está emoldurado pela exortação à oração (A e A’). Paulo quer que os homens orem a Deus em vez de tentarem resolver problemas sociais por meio da força e violência. Ou seja, não existe outra forma de trazer paz e tranquilidade para o mundo a não ser por meio de Cristo. Então, Paulo diz que Deus quer que chegue o dia em que haverá paz e tranquilidade no mundo e, por isso, enviou os apóstolos (dentre eles Paulo) para pregarem o Evangelho, por meio do qual as pessoas serão transformadas. Para uma melhor visualização da estrutura do texto, dispomos, graficamente, 1 Timóteo 2.1-8 em forma quiástica:

A Paulo exorta a pratica de orações em favor de todas as pessoas
B Isso é agradável a Deus que deseja que chegue a salvação a todos
C Há um só salvador de todos os homens
C’ Há um só sacrifício oferecido pelos homens
B’ O apóstolo foi designado pregador do Evangelho para todos
A’ Paulo exorta a pratica da oração em favor de todas as pessoas

Mesmo que a oração da igreja seja em favor de todas as pessoas, sua finalidade é proporcionar vida “tranquila e mansa” para os cristãos por meio da expansão do Reino de Deus. Mas, quando isso ocorreria, realmente? A esperança cristã de uma vida “tranquila e mansa” é depositada, em toda a Escritura, na eternidade, por ocasião da “manifestação de nosso Senhor Jesus Cristo” (1Tm.6.14). Paulo, então, afirma que Deus se agrada deste bem-estar, querendo que haja salvação em toda a Terra, ou seja, que seu Reino seja estabelecido plenamente (1Tm.6.15).

Tendo em vista o propósito das orações: uma “vida tranquila e mansa, com toda piedade e respeito” (1Tm.2.2), é possível se dizer que Paulo faz referência, também, ao objetivo final do projeto redentor: a chegada do novo céu e nova terra onde habitará apenas a justiça e retidão, pois nela viverão somente aqueles que foram justificados e santificados (1Ts.4.3). O Senhor deseja que a Terra seja habitada por homens cheios do pleno conhecimento da Verdade. Ou seja, Deus não se agrada da forma como o mundo está nem do modo como os cristãos vivem, sofrivelmente, nesse mundo que “jaz no maligno” (1Jo.5.19).

Por meio da estrutura quiástica, torna-se mais claro que o desejo de “que todos os homens sejam salvos” (1Tm.2.4) está relacionado à pregação do Evangelho. Em outras palavras, a igreja deve pregar a salvação em Cristo para todas as pessoas, pois essa é a vontade de Deus, meio pelo qual o Reino de Cristo se expandirá, proporcionando uma vida “tranquila e mansa” para todos. Desta forma, Paulo está estimulando a igreja a pregar a Escritura como solução para o bem-estar social de todos, algo que Deus realmente deseja, razão pela qual enviou seu Filho para pagar nosso pecado.

O texto parece ser uma referência a Ezequiel 18.23,32, onde Deus fala: “Acaso, tenho eu prazer na morte do perverso? -- diz o SENHOR Deus; não desejo eu, antes, que ele se converta dos seus caminhos e viva? [...] Porque não tenho prazer na morte de ninguém, diz o SENHOR Deus. Portanto, convertei-vos e vivei”. Nesse texto, o profeta mostra que apesar dos castigos advindos da parte de Deus, o Senhor não tem prazer em destruir pessoas, mas o faz para que sua justiça seja manifesta. Ou seja, mesmo que Deus não deseje a morte de alguém, para manifestar sua justiça Ele a tira, assim como escolheu Judas com a finalidade de ser o traidor de Cristo. O plano redentor não possui brechas resultantes de uma história aberta. Ou seja, Judas não poderia decidir não ser o traidor. No momento certo, “Satanás entrou em Judas” (Lc.22.3), um vaso de ira preparado para a perdição (Rm.9.22), a fim de que se cumprisse tudo o que fora proferido pelos profetas acerca de Jesus (Lc.22.37).

Desta forma, Deus não tem prazer na condenação daqueles que Ele criou a sua imagem e semelhança (Gn.1.26), todavia precisa condenar a muitos para que sua glória seja manifesta plenamente, tanto no amor redentor quanto na justiça condenatória. O Senhor não tem satisfação no sofrimento das pessoas, mas projetou a história redentora de tal forma que a igreja não foi poupada do sofrimento por muitos séculos, mesmo sabendo que o Senhor era poderoso para socorrê-la. O Senhor não gosta de ver seu povo sofrendo, mas disse para Paulo, quando este suplicou o auxílio de Deus, que não o livraria de sua angústia, a fim de que dependesse somente da graça divina (2Co.12.7-9). Deus não anseia pela condenação dos homens, mas estabeleceu critérios impossíveis de serem cumpridos naturalmente por todos (ouvintes ou não do Evangelho), a fim de mostrar sua graça por meio do agir do Espírito naqueles que haverão de crer em Jesus. Portanto, mesmo que Deus não queira o mal das pessoas, às vezes Ele traz males sobre elas, quer temporário ou mesmo eterno, para que o propósito de todas as coisas seja alcançado: que seu NOME seja glorificado em tudo: “Que diremos, pois, se Deus, querendo mostrar a sua ira e dar a conhecer o seu poder, suportou com muita longanimidade os vasos de ira, preparados para a perdição, a fim de que também desse a conhecer as riquezas da sua glória em vasos de misericórdia, que para glória preparou de antemão” (Rm.9.22-23).

Mais adiante no texto de 1 Timóteo 2, Paulo diz que Jesus é o único Mediador e Redentor de todos os homens, “o qual a si mesmo se deu em resgate por todos: testemunho que se deve prestar em tempos oportunos” (1Tm.2.6). Para compreendê-lo melhor, o colocaremos em paralelo com Romanos 5.12-21 onde Paulo fala sobre o sacrifício de Cristo como segundo Adão, visando satisfazer a justiça de Deus no lugar daquele que transgrediu a Lei ainda no paraíso (Gn.3.6-15). De acordo com Paulo, Cristo é o legítimo sacrifício oferecido pelo pecado original, que resultou em muitas outras transgressões (Rm.5.18). Jesus, portanto, é o Redentor de todos os homens, pois seu sacrifício eficazmente substituiu a transgressão do homem, razão para o apóstolo João dizer que “Ele é a propiciação pelos nossos pecados e não somente pelos nossos próprios, mas ainda pelos do mundo inteiro” (1Jo.2.2). Ou seja, Jesus satisfez completamente a justiça de Deus e tem em suas mãos o poder para dar a qualquer pessoa o perdão dos pecados.

Observe-se que a leitura isolada de Romanos 5.18 poderá conduzir o leitor à ideia de uma espécie de salvação universal independente da fé em Jesus, pois se “veio a graça sobre todos os homens, para a justificação que dá vida” (Rm.5.18) logo todos os homens deveriam estar justificados independentemente da fé em Cristo. Todavia, Paulo não ensinou esta doutrina. Mais adiante o apóstolo ensina a necessidade de se crer em Jesus para a salvação de qualquer pessoa, razão pela qual a igreja deve investir na pregação do Evangelho: “Porque: Todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo. Como, porém, invocarão aquele em quem não creram? E como crerão naquele de quem nada ouviram? E como ouvirão, se não há quem pregue?” (Rm.10.13-14).

Segundo Paulo, Cristo é salvador de todo homem, entregue por todos os homens, porque seu sacrifício é representativo, ou seja, representava a raça humana, estando disponível, portanto, para todos os homens, mesmo que não alcance todas as pessoas, tais como Judas, o traidor, entre outros (Jo.17.12; Mt.13.39; At.13.10). Uma cláusula condicional foi estabelecida para a obtenção da justiça de Cristo: a fé nEle. Somente aquele que crê em Jesus herdará a vida eterna (Jo.3.15-16) de forma que “quem nele crê não é julgado; o que não crê já está julgado, porquanto não crê no nome do unigênito Filho de Deus” (Jo.3.18). Desta forma, o desejo divino de salvar o homem não é o coração de seu projeto redentor e deve submeter-se ao seu propósito principal: glorificar a Deus. Por essa razão, o Senhor não concedeu salvação gratuita a todos os homens indistintamente, antes Ele estabeleceu um critério para que a salvação glorifique Seu NOME.

Em Timóteo, o ponto central não é a eleição daqueles que haveriam de crer em Cristo, obtendo o “pleno conhecimento da verdade” (1Tm.2.4). O propósito de Paulo é mostrar que a bondade de Deus é o único caminho para a aquisição de uma vida “tranquila e mansa, com toda piedade e respeito” (1Tm.2.2). Este querer bondoso do Senhor deve conduzir a igreja a investir na pregação do Evangelho, poder de Deus para a salvação (Rm.1.16), pois é o único meio de transformar vidas. Portanto, o foco de Paulo não é a doutrina da eleição, como ocorrerá em outros textos: Romanos 9; Efésios 1 etc., nem o assunto é contraditório com os demais ensinamentos do apóstolo, pois seu foco é o estabelecimento da paz sobre a terra, algo que é alvo do desejo de Deus.

Resta-nos colocar o texto de 1 Timóteo 2.4 diante de outras referências que falam sobre certa restrição no projeto redentor:

Ezequiel 36:26-27  Dar-vos-ei coração novo e porei dentro de vós espírito novo; tirarei de vós o coração de pedra e vos darei coração de carne. Porei dentro de vós o meu Espírito e farei que andeis nos meus estatutos, guardeis os meus juízos e os observeis.
Marcos 4:11-12  Ele lhes respondeu: A vós outros vos é dado conhecer o mistério do reino de Deus; mas, aos de fora, tudo se ensina por meio de parábolas, para que, vendo, vejam e não percebam; e, ouvindo, ouçam e não entendam; para que não venham a converter-se, e haja perdão para eles.
Romanos 9:22  Que diremos, pois, se Deus, querendo mostrar a sua ira e dar a conhecer o seu poder, suportou com muita longanimidade os vasos de ira, preparados para a perdição,
1 João 2:19  Eles saíram de nosso meio; entretanto, não eram dos nossos; porque, se tivessem sido dos nossos, teriam permanecido conosco; todavia, eles se foram para que ficasse manifesto que nenhum deles é dos nossos.

Estas são, apenas, algumas das referências que nos remetem ao fato de que a salvação é administrada por Deus de tal forma que o homem depende dEle não somente para obter a justiça, mas, também, para ser capacitado a crer. Nosso propósito aqui é fazer uma breve análise comparativa com o texto de 1Tm.2.4, a fim de os cristãos entendam não haver contradição entre os textos.

O profeta Ezequiel (Ez.36.26-27) é fundamental para o entendimento da razão pela qual Israel, mesmo vendo as maravilhas de Deus, sendo guiado por Deus e tendo a lei de Deus, não fez a vontade do Senhor no decurso de sua história. O profeta responde: porque não tinha o Espírito do Senhor. Então, Deus promete que dias viriam em que o Espírito do Senhor lhe seria dado e o coração de pedra seria trocado, a fim de que pudesse viver em pleno acordo com a lei, fazendo, assim, a vontade de Deus.

O paralelo desse texto com 1 Timóteo 2.4 leva-nos à seguinte pergunta: Já que Deus “deseja que todos os homens sejam salvos” e é poderoso para trocar o coração de pedra por um coração de carne, dando-lhes o Espírito Santo para que obedeçam a seus mandamentos, por que não o fez com todos, mas apenas com alguns? A resposta encontra-se no propósito máximo do plano de Salvação: a glória de Deus. Para que Seu NOME seja completamente glorificado em tudo, aprove ao Senhor que apenas alguns fossem abençoados com um novo coração e um novo Espírito instrumento para que cressem na Palavra e vissem o Reino de Deus (Jo.3.3,5). A boa vontade do Senhor não entra em contradição com suas ações, mas subordina-se a seu perfeito e eterno plano redentor que visa Sua glória e a glória de Seu Filho Unigênito.

Em Marcos 4.11-12, Jesus responde a indagação dos discípulos acerca de seu método de ensino, o uso das parábolas. Então, Jesus diz aos discípulos que as parábolas eram enigmas que dificultavam o entendimento das pessoas sobre o ensino referente ao Reino de Deus, a fim de que elas não cressem. Jesus afirma claramente que falava por parábolas “para que não venham a converter-se, e haja perdão para eles” (Mc.4.12). Portanto, mesmo que Jesus tenha enviado seus discípulos a pregar o Evangelho, Ele dificultou o entendimento dos ouvintes para que não alcançassem a salvação. Isso pode levar à seguinte dedução, também: então, significa que aquelas pessoas poderiam ter sido salvas caso compreendessem. Todavia, Jesus não disse que elas tinham a capacidade para entender, mas que lhes estava sendo privada a clareza para que não entendessem. Em outros momentos, Jesus falou com muita clareza, contudo as multidões preferiram se afastar dEle (Jo.6).

Em Romanos 9.22, Paulo fala sobre os “vasos de ira” que Deus suportou durante muito tempo. Isso exigiu a muita paciência de Deus, afinal o Senhor não se agrada na destruição do pecador. Mas, para que Seu perfeito projeto eterno fosse satisfeito, foi preciso suportar pacientemente os “vasos de ira, preparados para a perdição”. Eles foram feitos da mesma massa, ou seja, são igualmente descendentes de Adão e Eva, todavia foram feitos para cumprir outro destino que implicaria na glorificação de Deus, eternamente. A ideia de que o texto esteja falando apenas no aspecto terreno e físico não se coaduna bem com o versículo 24 no qual Paulo faz referência aos cristãos judeus e gentios como vasos de misericórdia. A perdição para o qual os “vasos de ira” foram preparados diz respeito à condenação deles. Mais uma vez, Deus não deseja o mal dos homens, mas submete sua vontade ao projeto redentor que tem como propósito manifestar sua glória por meio dos homens.

Por fim, em 1 João 2.19, o apóstolo diz que a saída de certas pessoas do meio cristão ocorreu para que ficasse evidente que, mesmo tendo passado um período entre os cristãos, tais pessoas nunca pertenceram ao povo de Deus. A saída deles apenas evidenciava que havia joio no meio do trigo. Deus quer que o homem seja salvo, mas nem todos, mesmo estando no meio da igreja visível de Jesus, recebem a graça de crer em Cristo (Fp.1.29). Algo semelhante aconteceu com os apóstatas mencionados pelo livro de Hebreus. Aquelas pessoas desfrutaram de todo o ambiente da graça, mas não tiveram raízes profundas na Palavra de Deus e, por isso, desviaram-se de Cristo, negando-o completamente (Hb.6.1-8). Mesmo sem querer condenar o pecador, Deus concretiza seu projeto, a fim de manifestar sua justiça naqueles que são condenados, da mesma forma como manifesta sua graça e misericórdia naqueles que são alcançados pela Palavra e Espírito de Deus.

Concluímos, então, que a vontade de Deus está submissa a Seu eterno propósito redentor com o fim de glorificar Seu Santo NOME. Deus pode todas as coisas, mas é firme e paciente em suportar os “vasos de ira” instrumentos para a manifestação de sua justiça. Vimos, ainda, que o foco de Paulo em 1 Timóteo 2.1-8, não é a salvação dos homens, mas o estabelecimento da paz sobre a terra por meio da transformação que o Evangelho opera nos corações agraciados por Deus. A igreja, portanto, deve pregar o Evangelho “quer seja oportuno quer não” (2Tm.4.2), pois é o único caminho para uma vida “tranquila e mansa, com toda piedade e respeito”.


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