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sexta-feira, 11 de agosto de 2017

Geração de aparência

Porém o SENHOR disse a Samuel: Não atentes para a sua aparência, nem para a sua altura, porque o rejeitei; porque o SENHOR não vê como vê o homem. O homem vê o exterior, porém o SENHOR, o coração.” (1Sm.16.7)

Como é difícil ter amigos em nossos dias! A inflação alcançou as amizades, tornando-as caríssimas. Contudo, o preço não indica o valor de tais amizades, mas a corrupção dos valores morais responsáveis pela atribuição dos preços especulativos que não correspondem à verdade. A amizade mais barata custa o preço da bajulação ou hipocrisia, exigindo, ainda, impostos de uma vida acostumada com a falsidade e tolerância. Depois que verdade saiu de circulação, a economia-moral entrou em crise e os relacionamentos perderam a qualidade. Portanto, pagamos muito caro por algo que não vale nada.
Dentro desse contexto esdrúxulo, somos exigidos a viver pela aparência. Um aparente sorriso vale mais que uma palavra sincera de reprovação necessária. Lembro-me, então, de um cômico longa-metragem chamado Madagascar:
– Sorriam e acenem!
Diz o capitão para sua tropa, alvo dos olhares da multidão.
Em um zoológico, quatro pinguins põe em prática seu plano de fuga enquanto sorriam e acenavam para a multidão encantada com a aparente “fofurinha” daqueles quatro animaizinhos. Essa cena engraçada dos pinguins de Madagascar, que agradavam ao público enquanto maquinavam a fuga secreta, parece expressar bem o "amor" em nossos dias. Poderíamos chamar essa atitude de “síndrome da pessoa pública”, pois, ao subir em um palanque, tribuna ou algo semelhante, ou, ainda, estando sob a mira de câmeras, políticos, atores, palestrantes entre outros “famosos” expressam um “natural” sorriso cativante, atraindo multidões de discípulos e fãs magicamente apaixonados. Carisma tornou-se fundamental para a preservação de amizades, cargos, status social e fama.
O cultivo da simples aparência desenvolveu a cultura do melindre, habituando o povo a relações superficiais que se contentam com sorrisos e “boas palavras”, por mais falsas que sejam. Pessoas melindrosas não são capazes de ouvir a verdade quando esta os confronta, pois se magoam com facilidade. Os relacionamentos passam a depender da manutenção de uma aparência agradável aos outros. Por causa da incapacidade de ouvir a verdade, houve o abandono da sinceridade, para não “magoar” o ouvinte. E por causa da hipersensibilidade, a geração deixou de ser confrontada diante de seus pecados, passando a correr livre rumo ao abismo para sua própria destruição, pois não há mais quem lhe corrija os erros.
Decorrente disso surge um crescente aumento de outro pecado: a maledicência. Os mesmos que não dizem a verdade pela frente são motivados a dizer para terceiros, difamando uns aos outros sem dar-lhes qualquer direito à defesa. As mesmas pessoas que andam ao seu lado, difamando outras pessoas enquanto concordam com você em tudo, andarão, também, com as demais pessoas procedendo de igual forma enquanto difamam você perante elas. A confiança e transparência, sinceridade e lealdade foram retirados completamente do vocabulário das relações sociais atuais. Desta forma, trocaram a verdade que vem de Deus pela mentira de corações pecadores.
Diversas cenas poderiam ser reconstruídas, como exemplo: José e Maria foram visitar uma família amiga que ofereceu um jantar para seus queridos convidados. A “dona de casa”, então, preparou tudo com carinho, esperando agradar seus queridos visitantes. Todavia, teve a infelicidade de não acertar a receita. Seu prato principal não ficou bom, mas José e Maria comeram tudo. Então, perto do final da janta, a “dona de casa” pergunta para José e Maria: “– Gostaram do prato principal?”. Nesse momento José e Maria suam frio com receio de dizer a verdade. O que eles deveriam dizer? Que não estava bom ou, simplesmente, fingir que estava gostoso? O que você diria? Arrisco-me a dizer que a maioria diria que estava bom para não ofender a cozinheira.
Outro exemplo bastante comum pode ser tirado de relacionamentos conjugais (ou mesmo entre namorados): Uma moça (esposa ou namorada) decide comprar um vestido bonito aos olhos, mas decotado demais. Acostumada a ver tal costura desfilando pelas ruas, ela o compra sem qualquer preocupação com a decência nem mesmo com os problemas que causará para o marido (ou namorado). No domingo, por ocasião do culto vespertino, a moça decide usar o vestido. O marido (ou namorado) olha para ela, vê os decotes, mas não diz nada. Ele não tem coragem de dizer a verdade, pois o relacionamento não está fundamentado na verdade. Mesmo antes de chegar na igreja ele já está preocupado e com ciúmes, pois sabe que as curvas de sua esposa (ou namorada) atrairão até mesmo os olhares de quem não quer ver nada. Mesmo diante de todo esse problema, o esposo (ou namorado) não diz nada. As pessoas percebem a falta de bom senso da moça, porém, também, não dizem nada. Todos sabem do problema, contudo ninguém tem coragem de dizer a verdade, pois tem medo de magoá-la. E caso alguém, mesmo que fosse o esposo (ou namorado), dissesse a verdade, receberia em troca um olhar de reprovação, uma discussão, uma inimizade, pois a moça, também, não está preparada para ser confrontada pela verdade. Ela prefere a mentira e hipocrisia do silêncio aparentemente aprovador.
Estes quadros simples e comuns exemplificam as relações no dia a dia. Quantas mentiras são ditas diariamente sob a justificativa de não querer ofender. As pessoas não dizem o que sentem ou pensam, verdadeiramente. Por isso, os pais ficam bastante envergonhados quando seus filhos, ainda crianças, dizem a verdade diante de outros adultos. Caso houvesse uma criança naquele jantar, ela diria, sem medo nem maldade, que o prato principal não estava bom. Provavelmente, os adultos ouviriam as seguintes palavras: “– Eu não gostei disso não!”. A verdade, então, faria os pais sentirem-se envergonhados e indignados com as palavras do filho. Em casa, José e Maria chamariam a atenção do filho por dizer a verdade na frente dos anfitriões daquela noite. A vida social hipócrita é transmitida de pais para filhos por meio da educação familiar, acentuando um pecado já presente no coração da criança: a mentira.
Acostumados em ouvir mentiras, as pessoas se satisfazem com sorrisos e elogios falsos. É dessa forma que políticos (seculares e eclesiásticos) se mantêm no poder por longos anos, agradando a gregos e troianos por meio de sorrisos e acenos. Isso ocorre porque a massa não se importa com a mentira, desde que esteja bastante adoçada e bem ornamentada com Glacê, à semelhança a muitos bolos de casamentos: bonitos por fora mais horríveis com respeito ao sabor. E qualquer pessoa que se destaque de entre as multidões, por não se deixar enganar pela aparência, torna-se um tipo de arqui-inimigo da presente geração que prefere levar uma vida de aparência. Contudo, por mais doce que sejam tais aparências não são capazes de tornar a vida social bonita nem dar caráter duradouro para os relacionamentos.
A cultura da aparência está crescendo desenfreadamente, ajudando a produzir uma geração hipersensível. As pessoas que falam a verdade são excluídas e consideradas rudes, pois o povo não suporta palavras sinceras. Cristãos passaram a ler a Escritura como uma “caixinha de promessas”, selecionando os textos que prometem paz e alegria. Psicólogos jogam os pecados de seus clientes para debaixo do tapete enquanto o governo obriga o povo a “aceitar cada pessoa do jeito que ela é” como se não houvesse certo ou errado. Sermões confrontadores são repudiados pelas multidões, pressionando até mesmo os mais famosos pregadores a falar mansinho para não ofender seus “fãs”.
Estando em São Paulo, fui a uma igreja próxima de onde eu estava hospedado. E, dentre as muitas palavras ditas pelo pregador, fui marcado pelos seguintes dizeres: “– Não quero ofender vocês”. Ele estava com medo de falar sobre pecado. Frequentemente, então, tentava suavizar suas palavras com eufemismos e introduções massageadoras. Diante disso, devemos perguntar: Que tipo de relacionamento os cristãos atuais tem com Deus? Por qual razão as pessoas estão frequentando as igrejas locais? Se a razão não é o temor e amor a Deus; a certeza de que somente Cristo pode livrá-las da ira vindoura; a consciência de que são pecadoras e precisam da justiça de Jesus bem como da santificação do Espírito, então, por qual razão estão indo às igrejas locais? Se não suportam ser confrontadas, por que razão as multidões estão sendo atraídas a Cristo?
O cultivo da mera aparência, melindre e hipersensibilidade afetaram até as orações. Comumente me deparo com pessoas que não contam tudo para Deus, pois não querem “aborrecê-lo”. Ou seja, Deus foi incluído na cultura da superficialidade como se o Senhor não suportasse ouvir aquilo que temos para contar. Desta forma, as orações ficam incompletas, pois mesmo que o cristão tenha tantos motivos para agradecer, deixa de dizer tudo o que está sentindo, com receio de “magoar” o Senhor. Por isso, muitos pecados não são confessados; fraquezas deixam de ser externadas para Deus; reais necessidades decorrentes das lutas internas e problemas externos não são apresentadas diante do Senhor, por causa do receio de não agradá-lo. Mas, será que Deus deseja que nossas orações sejam aparentes? É evidente que não!
Outro fenômeno decorrente das relações aparentes é o grande número de denominações e, ainda, de pessoas sem igreja. A superficialidade das relações baseadas em hipocrisias tem alimentado uma geração de desigrejados. É bastante comum pessoas que foram disciplinadas saírem da igreja local, pois, mesmo estando erradas, não querem ouvir a verdade nem ser corrigidas. Muitas outras abandonam a comunhão com os irmãos por causa de qualquer problema. E mesmo que seja contraditório para uma igreja, tem sido comum o êxodo eclesiástico por causa da verdade, pois os cristãos não querem ouvir a Escritura dizer-lhes que são pecadores nem suportam receber um “NÃO” da liderança. “Democracia”, “liberdade”, “tolerância” e “positivismo” enchem a mentalidade de uma geração acostumada com a aparência enquanto se intitula dona do próprio coração.
Todavia, o amor não é simplório assim. É preciso muito mais do que aparência para vivermos o amor de Deus presente em toda a Escritura. O amor de Deus é perfeito, puro e límpido. Ele não sorri para as pessoas enquanto fala mal delas pelas costas. Antes, "o Senhor corrige ao que ama, e açoita a todo o que recebe por filho" (Hb.12.6). Deus sempre foi, é e será sincero conosco dizendo somente a Verdade, pois Ele mesmo é a Verdade. Deus não tem medo de nos magoar com a Verdade. Quando as multidões não gostaram das palavras de Jesus, ele as deixou ir embora (Jo.6.60-71), pois seu amor estava fundamentado na Verdade e, somente, por meio dela os pecadores se tornariam seus discípulos e amigos.
No decorrer da história redentora, Deus mostrou seu amor para com aqueles que se achegavam humildemente a Ele. Mas, Deus não despiu-se do amor em sua relação com os ímpios e rebeldes. Deus é amor em seus atos criativos de Gênesis 1-2 e, também, em seu juízo manifesto no dilúvio de Gênesis 6; Deus é amor na escolha de Abraão (Gn.12) e na condenação de Sodoma e Gomorra (Gn.19); Deus é amor na libertação de Israel do Egito (Ex.1-15) e na entrega da nação para o cativeiro da Babilônia (2Rs.25); assim, Deus é amor na promessa de vida eterna e nos anúncios sobre o juízo vindouro.
Temos um grande desafio: mudar as relações sociais. Para isso, o cristão deve acostumar-se com a verdade e praticá-la em todo tempo, não importando se agradará ou não seu público. Essa é a única forma de glorificar a Deus e, também, transformar vidas. Sorrisos e agrados podem atrair pessoas para uma igreja local, mas não podem transformar o coração pecador que precisa ser confrontado, a fim de que se arrependa de seus pecados e encontre em Cristo o perdão e poder para mudar. A luta contra a hipocrisia, melindre, hipersensibilidade, falsidade e maledicência somente pode ser vencida por meio da Verdade dita tanto de púlpito quanto no dia a dia das relações sociais entre os cristãos e, também, não cristãos.
Por meio do cultivo da verdade, as pessoas serão fortalecidas, pois estarão preparadas para ouvir o que for necessário, mesmo que isso as machuque, a fim de que mudem. Por meio da verdade, os relacionamentos serão confiáveis, sem ter quem maldiga o outro pelas costas, pois, quando for necessário, as pessoas serão capazes de dizer o que pensam, mesmo que isso não seja agradável aos olhos. Por meio da verdade, as relações serão duradouras e as amizades, verdadeiras, pois problemas, divergências e mútuas correções não abalarão o coração que fora fortalecido pela verdade.

Para que seu amor seja perfeito como o amor de Deus, você precisará olhar para Jesus que tanto acolheu os humildes quanto resistiu aos soberbos (Tg.4.6). Somente assim, você amará com a misericórdia e com a justiça; com o carinho materno e com a disciplina paterna, também. Não ame por aparência, apenas, nem tenha medo de dizer a Verdade, pois a Escritura diz que o amor "não se regozija com a injustiça, mas se regozija com a verdade" (1Co.13.6). Ame com o amor do Senhor: perfeito, puro e límpido, pois é este amor que reflete o caráter de Cristo e glorifica a Deus que é amor.

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