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quarta-feira, 26 de abril de 2017

Pastoreio bíblico - Introdução

Acompanhando o elevado número populacional, a quantidade de pastores cristãos, principalmente no Brasil, nunca foi tão grande quanto nas últimas duas décadas. Isso deveria ser considerado maravilhoso, caso representasse um aumento significativo de mão de obra qualificada no trabalho da igreja. Contudo, o aumento numérico de pastores tem sido acompanhado de profunda redução de qualidade. Pouquíssimos pastores sabem fazer uma exegese ou mesmo uma análise teológico-bíblica sobre algum assunto ou, ainda, a exposição de um texto do Antigo Testamento à luz de Cristo, a fim de demonstrar à igreja sua relação com a história redentora, extraindo dele mais que lições morais. A leitura superficial de comentários e a repetição mecânica de temas e correntes teológicas substituíram o trabalho árduo do ministro que deveria compreender a Escritura com profundidade, a fim de expor cada texto com fidelidade e excelência.

O pastor tornou-se um “marido de aluguel da igreja”, ou seja, aquela pessoa que faz tudo dentro da esfera eclesiástica: levanta muro, varre o salão de culto, capina o jardim e realiza trabalhos gerais dentro de um prédio religioso; toma chazinho da tarde com as viúvas, “jogando papo fora”, a fim de substituir os legítimos filhos que não aparecem; diz algumas palavras “bonitas” em velórios, casamentos e cultos; e ouve as pessoas desabafarem no divã pastoral, sem poder dizer nada que confronte o ego dos pecadores. Em outras palavras, o pastor tornou-se funcionário de instituições eclesiásticas, ainda visto como inimigo dos presbíteros e concorrente de outros pastores. Outros descobrem na política eclesiástica uma espécie de ministério (só não encontram base bíblica), talvez, na tentativa de tirar o peso da consciência por deixarem tanto a desejar no pastoreio da igreja local. A igreja, portanto, deixou de ser um aprisco seguro onde as ovelhas são bem alimentadas e saciadas em sua sede por Deus, para tornar-se uma empresa religiosa, alvo de olhos ambiciosos e campo de guerras civis.

Desta forma, o fenômeno em torno do crescimento numérico de pastores apresenta-se inversamente proporcional ao seu propósito. Ou seja, o número de pastores cresce, mas as igrejas se enfraquecem. A profissionalização do ministério substituiu o “homem de Deus”, profundo conhecedor da Escritura pelo “administrador eclesiástico”, tão envolvido com política eclesiástica que não sabe mais para o que foi chamado. A psicologização do ministério pastoral também trouxe terríveis consequências, transformando as pregações em conferências sobre autoajuda, incapazes de conduzir pecadores a Cristo. Os prédios são grandes e bonitos enquanto os púlpitos são pequenos e fracos, razão pela qual a geração não está pronta para dar “razão da esperança” (1Pe.3.15) cristã perante o hostil mundo acadêmico pagão presente nas Escolas desde o ensino fundamental até o PhD das grandes universidades. Os púlpitos enfraqueceram-se produzindo uma geração carente do conhecimento de Deus, razão porque diversos irmãos têm nos procurado pelas redes sociais, sedentos da Palavra do Senhor.

É interessante observar que o número de pastores cresceu, mas o número de igrejas não tem acompanhado o crescimento. Não devemos fazer uma leitura pragmática, mas esse fenômeno demonstra deficiência no sistema eclesiástico. Lembro-me de ter ouvido há alguns anos que uma igreja em São Paulo teria 22 pastores concorrendo à “vaga” de pastor efetivo no local. Há uma procura por “estabilidade e conforto” dentro dos grandes centros urbanos, fazendo com que haja uma desproporção na distribuição de ministros pelo país. O número de seminários interdenominacionais, também, cresceu bastante despertando muitos cristãos a começarem a jornada pastoral por mera emoção (ou por razões erradas). Então, o número de obreiros continua crescendo inversamente proporcional à qualidade do ministério pastoral.

Portanto, há bastante tempo que me sinto inquieto com a realidade pastoral dentro da igreja cristã. E, por essa razão, resolvi, ontem, começar a escrever um singelo livro que trate de questões relacionadas com a crise que a igreja está vivendo, com o fim de ajuda-la a corrigir erros presentes e evitar problemas futuros. Nosso desejo com a obra é conduzir diversos irmãos à paixão pelo legítimo ministério, mas, também, levar outros à percepção mais clara de que Deus nunca os chamou para servir como ministros. Ambas as reações são positivas tendo em vista que a melhor forma de servir a Jesus é fazendo aquilo que de fato Ele nos chamou para fazer; enquanto que a consciência equivocada com respeito ao chamado pastoral (como acontece com as mulheres) traz grandes prejuízos para a igreja que será obrigada a estar debaixo do jugo de um líder não vocacionado.

É importante salientar, também, que o propósito do presente livro não é contar experiências pessoais dentro do ministério, ainda que algumas sejam importantes para servir como analogias e exemplos práticos daquilo que a Escritura ensina. Reconheço, não entanto, que as experiências foram importantes para a produção desta obra, afinal elas formam o contexto existencial dessas palavras. Todavia, experiências não são normativas para a vida pastoral e podem variar bastante, assim como foram muitas e diversas as experiências dos personagens bíblicos chamados para realizar a mesma obra em contextos completamente diferentes (Isaías e Amós; Pedro e Paulo etc). Portanto, o livro será abordado a partir da Escritura Sagrada, a fim de que os jovens aspirantes ao ministério (e os antigos também) tenham uma base Escriturística sólida para o exercício de um pastoreio bíblico.

Resolvi escrever para aqueles que pretendem começar a vida pastoral, mas, também, espero que os iniciados com um ministério infrutífero reconheçam a necessidade de marcar novo ponto de partida, adotando uma postura bíblica para seu ministério. Não trago palavras de um pastor idoso contando experiências para jovens aspirantes ao ministério. Meu objetivo perpassa minha experiência, pois pretendo conduzir o leitor por meio da Escritura Sagrada, aplicando a Palavra de Deus ao ministério pastoral, a fim de que o pastoreio seja completamente alicerçado sobre a Bíblia. Portanto, desejamos conduzir você a Cristo e em Cristo, a fim de que a jornada pastoral seja excelente não pelo status que porventura possa representar, mas pela completude do que significa o ministério pastoral dentro da história redentora até a volta de Jesus.

Quero, ainda, deixar claro que não sou filho de pastor nem nasci num lar evangélico como muitos outros. Portanto, não convivi com pastores dentro do seio familiar nem estive adornado por uma vida cristã desde meu berço. Desta forma, não estou marcado por experiências “traumáticas” relacionadas ao ministério pastoral nem venho fazer defesa emocional às questões relacionadas ao episcopado. Hoje sou pastor presbiteriano com um pouco mais de onze anos de ministério pastoral e meu olhar para o assunto tanto contempla uma visão externa quanto interna. Todavia, o propósito desse livro não é defender uma classe “profissional”, mas despertar uma reforma na prática desse sublime ofício chamado pela Escritura de “excelente obra” (1Tm.3.1).

Por enquanto, faço uso de meu blog, Vox Scripturaepara publicar o livro, entendendo ser a forma mais eficaz de alcançar pessoas no mundo todo (www.voxscripturae.blogspot.com), afinal nosso propósito é veicular o conhecimento bíblico necessário para que, com a graça do Senhor, a geração presente (e futura) possa ter bons líderes (principalmente pastores). Desta forma, poderemos resgatar o tempo em que o ministro era respeitado (ou perseguido) como “homem de Deus”, pronto para abrir mão de tudo a fim de conduzir pessoas a Cristo e em Cristo com fidelidade à Escritura Sagrada e excelência no exercício do ministério.

O livro abordará dez temas dentro do “ministério pastoral”, abarcando começo, meio e fim da jornada de um pastor. Como o título indica (Pastoreio bíblico), as palavras são direcionadas para aqueles que estão aspirando ao ministério pastoral, porém creio que serão, também, úteis para outros líderes. Dividiremos o assunto em dez capítulos: 1) Vocação ou emoção?; 2) Pastor bivocacionado?; 3) Abnegação completa da vida; 4) A voz profética do pastor; 5) Sabedoria que vem de Deus; 6) Pregações fiéis e excelentes; 7) Ensinando de casa em casa; 8) Administração eclesiástica; 9) Perigos no ministério pastoral; e 10) A aposentadoria do vocacionado.

No primeiro capítulo (Vocação ou emoção?), trataremos sobre a vocação de acordo com o ensino bíblico de forma que o chamado pastoral não seja analisado apenas no âmbito subjetivo, mas, sobretudo, objetivo. Sem a objetividade do chamado, qualquer pessoa pode subir ao púlpito, criando diversos problemas para a igreja (conforme tem ocorrido em larga escala em nossos dias). O assunto inclui tanto o legítimo chamado quanto as impressões equivocadas daqueles que pensaram terem sido chamados, mas não foram. Por conseguinte, trataremos, também, do equivocado ministério pastoral feminino, tendo em vista que o problema começa com uma falsa sensação vocacional (ou seja, emocional).

Outro problema que tem crescido dentro da esfera pastoral é a ideia de que há pastores bivocacionados (Pastor bivocacionado?). O termo passou a ser instrumento para justificar a divisão do tempo pastoral com outras atividades (muitas vezes desnecessárias), contribuindo com a fraqueza ministerial, pois os pastores não têm “tempo para preparar sermões”. O problema torna-se maior ao fazer de Paulo o grande culpado desses ministérios “bivocacionados” (autodenominados de fazedores de tendas). Mas, será que Paulo era “bivocacionado” ou teria usado um recurso temporário para suprir uma necessidade imediata e, quando sanada, logo voltou a dedicar integralmente sua vida à pregação da Escritura Sagrada (At.18.3-5)? Portanto, demonstraremos os equívocos em torno do tema, abordando a integralidade do ministério desde o tempo dos profetas do Antigo Testamento.

No terceiro capítulo (Abnegação completa da vida), desejamos abordar a vida pastoral como plano de vida em que o ministro identifica-se com seu ministério, conforme disse Paulo: “em nada considero a vida preciosa para mim mesmo, contanto que complete a minha carreira e o ministério que recebi do Senhor Jesus para testemunhar o Evangelho da graça de Deus” (At.20.24). Portanto, Deus não chama homens para exercerem uma profissão religiosa, mas os transforma em pastores de forma integral, ao ponto de o ministério ser confundido com sua vida. Ser pastor faz parte da vida daquele que realmente foi chamado pelo Senhor e não há como separar isso.

O quarto capítulo (A voz profética do pastor) tratará da autoridade do pastor como porta-voz de Deus em sua exposição fiel da Escritura. O relativismo também alcançou as igrejas, e junto à desvalorização da liderança, faz com que sermões tornem-se meras opiniões pessoais. Nosso propósito nesse capítulo é resgatar a autoridade pastoral associada ao ensino fiel da Escritura. Portanto, há dois lados dessa moeda: multidões dão crédito para qualquer pessoa que se autodenomine pastor, como se todos fossem obrigados a atender aos ensinos, mesmo errados, desses homens; por outro lado, ocorre uma grande desvalorização da mensagem fiel como ensino autoritário para a vida de todo homem. Nesse capítulo, então, queremos restabelecer a visão correta sobre a autoridade pastoral, a fim de que os pastores assumam a liderança com firmeza e fidelidade bem como a igreja ouça, obedeça e respeite a figura pastoral em seu exercício bíblico.

Lembro-me claramente das palavras (infelizes) de um pastor idoso ditas em sala de aula nos dias em que cursei o seminário: - “O bom de ser idoso é que a idade recebe a culpa por tudo: Quando se diz algo bom, as pessoas respondem: que homem sábio; e quando se fala besteira elas dizem: é a idade, já está caducando”. Dois problemas estão ocorrendo: por um lado, a idade e suas decorrentes experiências tem recebido mais crédito do que deveriam receber; por outro lado, a figura do ancião está completamente desacreditada de forma que não é mais símbolo de conhecimento e moderação, mas de caduquice. No entanto, a Escritura tanto desassocia experiência de sabedoria, pois está ultima tem em Deus sua fonte primária quanto exige que os mais velhos sejam modelo e mestres para os mais jovens (Tt.2.2-5). No quinto capítulo (Sabedoria que vem de Deus), faremos uma abordagem teológico-bíblica da sabedoria associada à liderança, jovem ou não, a fim de que os pastores busquem no Senhor a sabedoria necessária para exercer o ministério pastoral e resgatem a figura do ancião como símbolo do bom siso.

O sexto capítulo (Pregações fiéis e excelentes) será uma exortação à fiel preparação da pregação seguida de orientações para que o pastor possa preparar sermões fiéis e excelentes, fruto de estudo dedicado e piedoso adornado com uma plena dependência do Espírito de Deus. Acompanhei diversos seminaristas (e pastores) dentro e fora de sala de aula e os vi tornarem-se frutos de uma fábrica de pregadores em série. Ou seja, todos saem pregando do mesmo jeito, com a mesma estrutura, incluindo os mesmos erros. O sermão, portanto, passou pela revolução industrial, deixando de ser uma obra de arte tecida com emoção, convicção, experiências e muito conhecimento da Escritura Sagrada. Hoje, as pregações são a elaboração de três pontos sobre alguma coisa que nem os pregadores têm convicção, pois copiaram de algum comentário famoso. Portanto, precisamos resgatar a arte de pregar.

No sétimo capítulo (Ensinando de casa em casa), trataremos sobre uma parte importante no exercício do ministério pastoral: a visitação. O conceito e o propósito da visita pastoral perderam-se na história da igreja. Sem a concepção correta, a visitação tornou-se, em grande medida, infrutífera. A igreja gosta da presença do pastor no dia a dia e faz questão de recebe-lo em casa. Todavia, os cristãos não sabem qual a real utilidade da visita pastoral. Por essa razão, o simples fato do pastor tomar chá da tarde na casa de alguém é considerado como um exercício pastoral e é bem provável que essas “visitas” contabilizem a maior parte dos números informados nos relatórios anuais. No entanto, essa não era a visita pastoral feita pelos líderes da igreja primitiva, nem por Jesus (Lc.10.38-42). Portanto, mostraremos qual o ensino bíblico sobre as visitas pastorais, a fim de que os pastores cumpram fielmente o propósito de ensinar aos cristãos de casa em casa.

O papel do pastor não é administrar, mas pastorear. Todavia, tornou-se indispensável certa administração nas instituições eclesiásticas, tendo em vista sua natureza jurídica. Por essa razão, o oitavo capítulo tratará sobre a Administração eclesiástica, a partir do ensino bíblico sobre o assunto. Desta forma, poderemos observar os limites administrativos que o pastor deverá estabelecer para si mesmo, a fim de não ser sobrecarregado com coisas secundárias. Também, desejamos ajudar os pastores a delegar funções dentro da igreja com o fim de que as muitas atividades extras não desviem seu foco: pregar a palavra e cultivar uma vida de oração (At.6.1-7).

No penúltimo capítulo (Perigos no ministério pastoral), abordaremos diversas ameaças que cercam a vida do pastor. O ministro é homem visado pelo império das trevas e pelo mundo pagão, pois sua boca proclama constantemente a glória de Deus, odiada por Satanás e, também, pelos ímpios. Portanto, o mundo torna-se um grande campo minado que guarda ameaças iminentes, exigindo do ministro cuidado constante no decurso da jornada pastoral. Solidão, por isso, frequentemente é o lar do pastor, pois, como Paulo, precisa enfrentar certos desafios, sozinho. Nesse capítulo, falaremos de alguns desafios que podem aparecer no dia a dia da vida de um pastor.

Por fim, no ultimo capítulo, falaremos sobre A aposentadoria do vocacionado. Não há um tempo certo para o começo do ministério de alguém, contudo todos terminam da mesma forma: a morte. As instituições, no entanto, tem mudado essa concepção bíblica definindo limites diferentes para os ofícios de presbítero e diácono. Nosso propósito nesse capítulo é discutir o problema à luz da Escritura e, pela graça de Deus, despertar reformas dentro das constituições eclesiásticas.

O livro será apresentado aos poucos, capítulo a capítulo, e pode sofrer melhorias à medida que interage com o publico, afinal questões levantadas pelos leitores podem suscitar interessantes reflexões sobre o assunto. É indispensável que o leitor leia a Bíblia ao lado do livro com um coração humilde e sincero, pronto para ser conduzido pelo Espírito do Senhor a toda Verdade que é a Escritura Sagrada. E esteja pronto para ser confrontado, pois diante da Palavra de Deus somos despidos, para um verdadeiro conhecimento de si mesmos, a fim de sermos vestidos com a couraça da justiça de Jesus e adornados com a santidade do Espírito de Deus. O Senhor abençoe sua igreja!

2 comentários:

  1. Obrigado Pastor por essa obra, vou lê-lo e aguardarei pelos demais capítulos. O Espirito Santo ilumine a vossa mente.

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