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sábado, 11 de junho de 2016

Começo de uma vida (um conto)

Nasci em 1959, e como toda criança não tenho lembrança de meus primeiros anos de vida. O que sei é que eles foram comuns como os dias de muitas tenras vidas sobre a terra. Assim, me contaram meus pais...
- Que menino lindinho! Disse minha tia Lena que estava presente em nossa casa no dia que nasci.
Pois é... Nasci em casa, em parto realizado por Rosinha, uma parteira conhecida da vila José de Abreu, onde morávamos. Entre os presentes se encontrava a vizinha, amiga de muitos anos (tantos quantos meus pais moravam na vila), e que não perdia a oportunidade de ajudar minha mãe em suas necessidades. Todos chamavam-na de Dona Graça; nome bem sugestivo para alguém que estava disposta a ajudar em momentos necessários, como no dia em que nasci. Seu nome era Maria das Graças (nome bastante comum na região), mas sua índole superava, com certeza, à de muitas outras Marias que existem por aí, pois havia algo diferente nela, algo que contava com muita alegria dizendo: Graças a Deus!
Também estava presente minha tia Lena, como já mencionei. Ela não era tão prestativa quando a Dona Graça, mas gostava de fazer corriqueiras visitas à casa dos Baum, sobrenome de nossa família. Estatura mediana (com 1,68 metros de altura), cabelo castanho escuro; nem magra nem gorda nem muito menos esbelta. Gostava de falar bastante, principalmente sobre assuntos alheios. Mas, com toda a paciência que minha mãe tinha, aguentava os longos dias de sua visita a nossa casa, procurando ensinar-lhe o bom proceder de uma mulher agradável a Deus.
Era 2 de Novembro de 1959, dia de finados. Enquanto a maioria estava perturbando os mortos nos cemitérios, eu estava nascendo, adornando em tons singelos com cheirinho de bebê aquele dia tão macabro e fedido a flores de defunto. O interessante é que havia mais pessoas no cemitério, desenterrando do coração os seus mortos, que em nossa casa onde uma vida, e que bela vida (modéstia à parte), estava surgindo para conhecer o mundo. Naquele dia, o mundo se mostrou mais sombrio que a barriga de minha mãe, de onde eu nasci; e, se eu pudesse entender o que acontecia, talvez desejasse voltar rapidamente para o lugar de onde vim.
Você deve estar se perguntando: “- Cadê o pai deste menino?” Meu pai estava trabalhando, e, como todo bom chefe de casa, garantindo o pão de cada dia. Não houve tempo de informar-lhe o nascimento de seu filho, pois o telefone não era tão comum quanto em nossos dias nem tampouco havia celular, já que somente em 1984 foi implantada a telefonia móvel no país. O jeito foi chamar rapidamente a parteira, Dona Rosinha, que morava a três quarteirões de nossa casa, na Rua João da Mata, número 430.
Rapidamente, ela se dirigiu à casa de minha mãe, e em poucos minutos depois, mais precisamente 37, eu estava oficialmente nascido para este mundo. Meu pai, que trabalhava na Metalúrgica, principal fonte de empregos de nossa cidadezinha, somente receberia a maravilhosa notícia ao chegar em casa. No entanto, minha tia, desbocada como era, rapidamente dispôs-se a chamar um jovem, um dos filhos da vizinhança, e por alguns cruzeiros convenceu o menino a correr até a Metalúrgica que ficava à uma hora de nossa casa. Mas, na carreira que minha tia ordenou que fosse, em pouco mais que trinta minutos o garoto estava dando a notícia para meu pai. No desespero para ver seu primogênito que a pouco nascera, João de Lima Baum, meu pai, rapidamente conseguiu uma licença do chefe para, correndo, ver finalmente o resultado da espera de nove meses.
Antes de contar sobre a carreira que o senhor Baum deu, preciso explicar-lhe, caro leitor, que nosso bisavô era de origem inglesa. Desta forma, nosso sobrenome era diferente dos demais da região; e, por mais brasileiro que fôssemos (o sotaque não nos deixava mentir), tínhamos uma veia inglesa passando pela família. Meu bisavô havia chegado ao Brasil, no início do século, num dos navios que traziam imigrantes esperançosos de começar uma nova vida nesta terra chamada Brasil. O que meu bisavô não sabia ainda é que a nova vida que ele tanto desejava só ocorreria depois de alguns anos, em seu encontro com o mais sublime Rei, Senhor de um Reino diferente e perfeito, Rei de uma pátria celestial.
Meu bisavô veio ao Brasil debaixo de promessas de um futuro brilhante; sonho que estava presente no coração de muitos europeus daqueles dias. Aqueles que viviam aqui anunciavam uma terra tranquila de abundante prosperidade, pois não haviam percebido ainda que sem Cristo a paz do homem não passa de um breve lampejo de trégua e autoconfiança. Por isso, milhares de sonhadores desembarcaram aqui para descobrirem mais tarde que não há paraísos nesse mundo de pecadores.
Minha mãe chamava-se Luciana, e sua origem era a mais Brasileira possível; se é que podemos dizer isso de alguém que nasce num país invadido por todas as raças que há sobre a face da terra. De origem humilde e batalhadora, ela se contentava com tudo; e, sem perder o brilho no olhar, diariamente, agradecia ao Senhor por cada alegria e tristeza da vida. Sendo assim, por mais brasileiro que eu fosse, carregava em meu sangue um pouco da herança inglesa de meu pai; e, melhor ainda, a esperança de uma eterna glória que um dia meu bisavô conheceu e meus pais me ensinariam a ter.
Voltando um pouco para a carreira sufocante que meu pai se preparava para dar, seria falho de minha parte se não convidasse o querido leitor a tentar imaginar a mistura de sentimentos e pensamentos que naquele momento estavam preenchendo cada poro do senhor Baum. Um conjunto complexo e heterogêneo de abstrações e psicossomatizações que somente poderiam resultar numa grande atitude: correr. E nesse ímpeto de correr desesperadamente para encontrar o tão esperado filho, ele lembrara nas primeiras dez grandes passadas que havia deixado para trás a bicicleta e o menino que trouxera a grande notícia. Ele até deixaria tudo para trás e prosseguiria em seu objetivo de chegar o mais rápido possível em seu destino ansiado. Mas lembrou-se, também, que conseguiria chegar mais rapidamente se fosse de bicicleta. Voltou ligeiro, colocou o garoto no bagageiro da bicicleta e, agora sim, pedalou velozmente, quase derrubando o menino que assustado gritava alegremente pela emoção da velocidade.
Se em trinta minutos o garoto chegou à Metalúrgica, motivado pelos poucos cruzados que recebera com ordens explícitas para correr, em quinze minutos meu pai estava na frente de casa, sem ter atentado para a distância que havia percorrido. Rapidamente, como tudo que estava acontecendo naquele dia, ele largou a bicicleta e correu abrindo abruptamente a porta da casa. Tendo entrado, olhou para ambos os lados da sala e não tendo visto ninguém, senão o ar de suspense que envolvia o ambiente, gritou:
- Luciana?! Você está aí?
O silêncio permaneceu suspenso, e em poucos segundos ouve-se o som do choro de seu filho. Era eu, ainda informando minhas impressões sobre o novo mundo que acabara de conhecer. Você deve saber que quase nenhuma criança gosta de mudança. A mudança sempre acompanha rostos tristes, chateados, zangados com os pais, pois muitas coisas construídas na antiga morada são deixadas para trás. Toda mudança arranca um pouco de nós. Eu havia morado nove meses na barriga de minha mãe e já estava gostando daquele lugar. E quando já havia me acostumado me expulsaram como se fosse um inquilino indesejado que há cinco meses não pagava o aluguel. Bem, de fato não me lembro de ter pagado alguma vez algum tipo de aluguel, afinal foram dias de “sombra e água fresca”. Portanto, não poderia ser outra a minha reação: chorar aborrecidamente, pois acabaram de me expulsar de minha adorável casa.
Tendo ouvido o choro, meu pai, orientado pelas ondas sonoras de minha desesperada garganta, se direcionou até a possível origem do som. Estávamos no terraço que ficava no quintal da casa. Lá, minha mãe teria mais privacidade e melhor ventilação para refrescar-se. Rapidamente, meu pai chegou ao quintal e encontrou minha mãe com aquela expressão indescritível de alegria e dor, alívio e dor, admiração e dor. Por mais que meu pai amasse minha mãe, sendo a recíproca verdadeira, ao ver ligeiramente que sua esposa estava bem, ele dirigiu os olhos para mim e segurando-me olhava quieto e atentamente para a pequena criaturinha que só havia aprendido a chorar, até aquele momento.
Após alguns minutos de olhos fitos na pequena criança, saem às primeiras palavras de admiração:
- É o meninão lindo do papai?! Gracejou com a mais jovem vitória de sua vida nas mãos.
- É a sua cara! Disse minha mãe sussurrando, no intento de agradar o paizão orgulhoso do filho.
- Tem seus lindos e brilhantes olhos! Disse meu pai, dando um beijo carinhoso em minha mãe.
- Também parece muito com o avô. Intrometeu-se tia Lena, quebrando a singeleza do momento, a fim de “puxar a sardinha” para sua família.
Com tantos comentários, até a vizinha e a parteira já haviam entrado na conversa, e deixavam suas observações sobre os traços de semelhança que eu possuía em relação aos mais diversos parentes. Meu Pai olhava atentamente para as expressões desordenadas que eu fazia como se cada uma expressasse um pouco dele mesmo. Parecia ter nascido “da costela” de meu pai que me olhava como se fosse dizer: “- este é osso dos meus ossos e carne da minha carne”. Afinal, eu era parte dele, fagulha de sua alma, sua imagem e semelhança.
Muitos e preciosos foram os sentimentos envoltos de meu singelo nascimento. Mas, a beleza de tudo era acompanhada de uma grande responsabilidade: guiar aquela pequena vida à eternidade. Minha trajetória havia apenas começado, e uma grande jornada pela frente precisava ser desbravada, com muito auxílio e graça. Meus pais seriam personagens fundamentais em minha história, conduzindo-me ao “autor e consumador da salvação”. E por mais belo que tenha sido aquele dia, o melhor de minha vida ainda estava por vir. Afinal, um dia eu conheceria a maravilhosa graça de Deus em Cristo Jesus, e, nesse dia, eu experimentaria a verdadeira vida...

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