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quarta-feira, 11 de novembro de 2015

Um pouco de história da Judeia

Levantaram-se os reis da terra, e as autoridades ajuntaram-se à uma contra o Senhor e contra o seu Ungido; porque verdadeiramente se ajuntaram nesta cidade contra o teu santo Servo Jesus, ao qual ungiste, Herodes e Pôncio Pilatos, com gentios e gente de Israel, para fazerem tudo o que a tua mão e o teu propósito predeterminaram” (At.4.26-28)

O judaísmo dos dias que antecederam a queda de Judá, com a primeira deportação em 598 a.C. para a Babilônia, é notoriamente diferente do judaísmo dos dias de Jesus e dos apóstolos. Algumas características negativas apontadas pelos profetas não são mais encontradas no Novo Testamento, enquanto outras ainda permanecem no coração do povo que carecia da troca de coração, conforme profetizado por Ezequiel (Ez.36.26-27). E dentre essas mudanças, a mais significativa foi o abandono da idolatria. Essa mudança foi o resultado de uma série de eventos político-religiosos que ocorreram no período chamado de interbíblico. O cativeiro Babilônico foi de grande valia para o começo de uma longa jornada de mudanças que os judeus sofreriam, lapidados a ferro e fogo, a fim de que estivessem prontos para o principal evento da história: a chegada do Messias prometido. Contudo, o cativeiro não foi o único acontecimento que contribuiu para a mudança da nação, preparando-a para o advento da vinda do Filho de Deus e seu Reino.

1. Helenização do mundo
Jerusalém estava debaixo do império Persa até que em 331 a.C., Alexandre toma o império, por meio de algumas vitórias consecutivas nas batalhas de Granico (334 a.C.), Isso (333 a.C.) e Arbela (331 a.C.), e assume o domínio sobre o vasto governo persa. Os judeus já possuíam certos privilégios dentro do império Persa e conseguiram continuar com esses privilégios debaixo da política de Alexandre. Este tinha uma política administrativa mais pacífica que impérios anteriores e possibilitou que as diversas nações sob seu domínio tivessem certa liberdade religiosa, e, por isso, os judeus desfrutaram desse privilégio, também. A helenização do mundo já vinha ocorrendo pouco a pouco nas diversas interações comerciais que os gregos realizavam.
Contudo, foi o domínio político Greco-Macedônio que ampliou em larga escala a difusão da cultura grega: língua, arte e filosofia. Os gregos trouxeram junto ao domínio político todo seu acervo filosófico com o intuito de catequizar os povos. E para que pudessem receber a educação helênica, as pessoas precisavam aprender o grego, tornando-o uma língua conhecida por todos. Tamanha foi a influência da cultura helênica sobre as nações que em poucos anos o mundo falava duas línguas: a nativa e a grega. Esse foi um dos grandes eventos que contribuíram com a propagação do cristianismo, pois a igreja pôde pregar o evangelho pelo mundo utilizando uma única língua: a língua grega. Mas, o império Greco-Macedônio contribuiu de outras formas também.
Ao conceder liberdade religiosa dentro do contexto político-religioso pagão, o império ajudou a fortalecer a identidade político-religiosa da nação Judaica, pois os judeus reagiram às práticas pagãs com o apego à lei que os caracterizavam quanto nação. Os judeus precisaram resgatar os elementos que distinguiam e fortaleciam a raça, para que o povo não se enfraquecesse e se dissolvesse por meio da miscigenação. Além disso, de acordo com a tradição, já no período das dinastias dos generais de Alexandre, Ptolomeu Filadelfo teria solicitado que fosse feita uma tradição grega do Antigo Testamento, a septuaginta (LXX). Essa tradução serviu para difundir a Palavra de Deus para povos diversos que agora estavam unificados pela língua grega, assim como ajudou a tornar as Escrituras do Antigo Testamento conhecidas entre os gentios nos dias do Novo Testamento.

2. Enrijecimento do judaísmo
Mas, o ambiente nem sempre foi tranquilo e durante o período das dinastias, os judeus foram alvo de várias tentativas de invasão. Quanto mais Selêucidas e Ptolomeus lutavam para conquistar a Palestina, mais provocavam reações patrióticas dos judeus já cansados da falta de liberdade nacional. Essas reações foram necessárias para a nação, pois a fortaleceram em torno das Escrituras, elemento que caracterizava e ligava o povo em torno de um ideal comum como expressão máxima da cultura judaica. As sinagogas, formadas desde o período persa, eram fundamentais para o estudo da Lei, fortalecendo o senso patriótico do povo judeu.
Tentativas de levar os judeus para o paganismo fizeram com que judeus piedosos reagissem tanto agressivamente, como os Macabeus, quanto aceticamente, como os Essênios que viviam em comunidades monásticas. Quando ergueram um ginásio em Jerusalém para a prática de esportes à moda grega, ou seja, o exercício esportivo nu, judeus piedosos se escandalizaram, provocando maior zelo e apego radical às Escrituras. Além disso, o muito sofrimento que passaram, como castigo por causa de seus pecados, ajudaram a implantar um censo de temor à Lei, pois haviam sido advertidos pelos profetas que tais sofrimentos seriam providenciados por Deus como instrumento de disciplina sobre a nação.
Nesse período surgem alguns grupos dentro do judaísmo, tanto de caráter fortemente religioso: os hasidim conhecidos pelo rigor no trato com a piedade, quanto de caráter mais político: os hasmoneus que lutavam pela liberdade política de sua nação e se envolviam com todos os embates políticos internos e externos. Surgem também os Essênios que tinham um caráter mais acético e, por isso, se retiravam para viver a religiosidade longe do ambiente cotidiano. Alguns desses grupos aparecem no Novo Testamento. Os hasidim resistem ao tempo e aparecem com o nome de Fariseus no período do Novo Testamento. Eles reconheciam todo o Antigo Testamento como Palavra de Deus e criam na ressurreição e davam grande valor à tradição que foi passada pelos mestres da lei que a interpretavam para o povo, criando regras práticas que se passavam como correta leitura da Lei de Deus.
Os hasmoneus mantiveram sua luta política, mas não zelaram pelas Escrituras como os hasidins. Assim os Saduceus, antigos hasmoneus, aparecem no Novo Testamento com muitos problemas doutrinários: criam apenas no Pentateuco, não acreditavam em vida após a morte e se envolviam com politicagens, por isso estavam diretamente ligados ao poder político-religioso do povo judeu, assumindo indevidamente o sumo-sacerdócio, com a ajuda da intervenção do império. Os grupos bem definidos do Novo Testamento são o resultado dos anos anteriores do judaísmo no período interbíblico.

3. Expectativa messiânica acentuada
O cansaço do constante jugo debaixo do qual os judeus vinham se submetendo um império após o outro somado às profecias Messiânicas dos últimos profetas que prometiam um reino próspero e eterno criaram expectativas Messiânicas mais acentuadas entre os judeus. Apolônio (168 a.C.) contribuiu para a chegada desse período ao forçar o paganismo dentre os judeus, tornando o judaísmo ilegal enquanto queimava as Escrituras do Antigo Testamento e erguia estátuas pagãs para a prática obrigatória de sacrifícios aos deuses gregos. Judeus eram obrigados a adorar as imagens e oferecer sacrifícios. É nesse período que Matatias reage à obrigação de sacrificar aos ídolos e desencadeia uma revolução que ficou conhecida como o período dos Macabeus. Nesse período, a expectativa de que se cumprissem as profecias sobre a vinda do Reino cresceu, pois a Judeia conseguiu sua independência. Foi um período de guerras, não de paz, mas a Judeia conseguiu se ver livre do jugo de outras nações. Enquanto o povo se apegava mais às Escrituras, na expectativa de que Deus cumprisse suas promessas, o anseio pelo surgimento do Messias, filho de Davi, aumentou dentre o povo, preparando, assim, o terreno para o advento do Messias, o Filho de Deus. Os manuscritos apocalípticos de Qumran testificam as expectativas crescentes dos judeus quanto ao advento do Reino eterno de Davi.

4. Estabelecimento de aliança entre os judeus e os romanos
Por fim, após o período dos Macabeus, o império Romano subjuga a palestina concedendo para os judeus, liberdade religiosa, ou seja, reconhecendo o judaísmo como uma religião lícita. Esse fato contribuiu nos dias do Novo Testamento também para a propagação do cristianismo uma vez que o mesmo era visto como uma vertente do judaísmo, podendo, assim, trafegar livremente pelo império sem ser incomodado.

Estes fenômenos sociais formam o contexto político-cultural-religioso do Novo Testamento. Com a idolatria curada, o povo estava mais atento ao Deus de Israel e mais disposto a rejeitar o paganismo ao redor. A rigidez do judaísmo do primeiro século serviu como instrumento para o cumprimento do projeto redentor, pois foi por esta rigidez que os Fariseus e Sacerdotes entregaram Jesus para Pôncio Pilatos, a fim de que fosse crucificado. Mas, esse fenômeno também auxiliou na perseverança da igreja com respeito à doutrina dos apóstolos após a conversão dos judeus no dia de Pentecostes (At.2.42). Portanto, nada aconteceu por acaso; antes, Deus preparou tudo para que sua vontade fosse concretizada no devido tempo, para o louvor de sua glória e salvação de seu povo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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